De manhã, enquanto tomava café, eu lia no jornal uma notícia sobre o próximo jogo do Brasil pelas eliminatórias da Copa do Mundo. Seria em Montevideo, uma partida duríssima. Empatar seria bom negócio.
No escritório alguém gritou:
— Atende aí, a linha 3 é sua!
Do outro lado, uma voz me disse:
— Quer ir ao jogo do Brasil? É pegar ou largar. Voo fretado, sai domingo às sete da manhã e volta depois do jogo? Não vai responder, porra?
— Fechado!
— Já te chamo.
Desliguei com alegria de menino. Mas em seguida fui assaltado pelas perguntas. Quanto custaria essa “brincadeira”? Quem iria junto? Que tipo de avião seria? Qual a companhia aérea? Quem estaria organizando? Não tive muito tempo para pensar:
— Olha a linha 3 de novo pra você, Baixinho!
Ouvi uma exclamação:
— Tudo certo!
— Mas quanto vai custar, que avião, os ingressos?
— Tudo resolvido e é um DC-10. Esteja domingo às 5:30 em Cumbica. Me encontra nos guichês da Varig. Valeu!
Eram as eliminatórias para a Copa de 1994 e o time não empolgava. O que valia era a farra. Minha filha mais velha tinha acabado de completar um 1 ano e o peso na consciência de um domingo longe não seria tão aterrador. Além do mais, quando eu poderia ter uma outra oportunidade daquelas?
Inverno em São Paulo. A hora marcada ainda era noite fechada, e eu cheguei no aeroporto entre nervoso com o voo e ansioso pela farra.
De longe comecei a escutar o barulho e vi a multidão que lotaria o avião. Muitas camisas amarelas, alguns instrumentos. Aquilo prometia. Encontrei minha turma, entreguei os documentos para o check-in coletivo e começamos a conversar sobre o jogo. Liberaram a entrada da turba ensandecida que invadiu o free shop. A maioria de meus companheiros de jornada saiu com garrafas de uísque. Pensei comigo: “Mas ainda são seis e pouco da manhã!” Recebemos os cartões de embarque em uma chamada nominal que lembrava os tempos de colégio, com gritos, piadas, assobios e centenas de palavrões. Ficou óbvio que não havia nenhuma mulher naquela excursão juvenil.
Entramos no avião e foi feita uma combinação muito séria:
— Sem gracinha com as aeromoças! — gritou o coordenador.
Naquele momento meu medo de voar já tinha me dominado, mas a bagunça era tanta que eu tentava disfarçar o impossível.
Na cabeceira da pista, a aeronave começou a acelerar, e vieram as piadas:
— “Desembreia”
Gargalhada geral e o avião decolou sob um sol muito bonito. O comandante fez os avisos de praxe sobre tempo de voo e solicitou aos passageiros que se mantivessem sentados. Pedido inútil.
Começou um coro pedindo o item mais desejado do momento:
— Gelo! Gelo! Gelo!
Estavam dispostos a beber às sete da manhã!
Com pouco mais de uma hora de voo, tudo calmo, apareceu o apresentador Otavio Mesquita querendo fazer gracinha ao microfone das aeromoças, o que faz a plateia gritar em novo coro:
— Clodovil! Clodovil! Clodovil!
Na época, os programas de Mesquita e Clodovil disputavam a audiência do horário. Foi o suficiente para que ele ficasse quieto.
O comandante comunicou o início do procedimento de descida – àquela altura, eu me encontrava razoavelmente tranquilo. Só que aquele aviso atiçou a todos que já sentiam no clima do jogo. Aos gritos de Brasil, iniciaram-se “olas” no avião que balançava. O comandante voltou a solicitar a todos que se sentassem e é claro que meu pavor se multiplicou. Todos riam da “ola” e de mim!
Em Montevideo almoçamos em local reservado para o grupo, e de lá fomos para o estádio. Jogo fraco como era de se esperar, um empate de 1 x 1, mas com a rixa de sempre e muitos xingamentos de parte a parte.
Ao final do jogo, a torcida brasileira foi apedrejada. Saímos escoltados pela cavalaria da polícia local até nossos ônibus. Cenas típicas do futebol sul-americano.
Estava pronto para o voo de volta. A galera parecia mais calma, muitos dormiam de tanto que beberam. Viemos assim até meia hora antes do pouso, quando uma guerra de travesseiros mais uma vez fez o avião trepidar na descida. O comandante nem pedia mais nada. Acredito que ele queria tanto quanto eu se ver livre daquilo tudo. Mas devo dizer que ria também, não sei se de nervoso ou pela batalha que já incluía cobertores amarrados em nós intermináveis.
Ao sairmos do avião parecia que todo mundo se sentia aliviado de todas as tensões acumuladas. Tenho certeza que aquele foi um dos melhores programas da vida de cada um, homens feitos comportando-se tal qual crianças, se divertindo pelo prazer de se divertir. Inigualável, apesar de todo o meu pânico de voar.