O mistério dos MMM

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Segunda série ginasial do Colégio de São Bento, idos de 1970 e pouco. Começávamos a ler alguns dos clássicos da literatura brasileira no formato famoso das Edições de Ouro e confesso que achava alguns títulos chatos demais. Só mais tarde, bem mais tarde, comecei a apreciar alguns autores, principalmente Machado de Assis. Mas naquela época era um tal de A Moreninha (Joaquim Manuel de Macedo), Espumas Flutuantes (Castro Alves), Dom Casmurro (Machado de Assis) e outros que eram uma tortura entender e chegar ao fim. Nem sempre tinha êxito.

Meu professor de português era famoso no colégio, o Prof. Cunha, que tinha um bordão. Tão logo entrava em sala de aula, ao mesmo tempo que nos levantávamos, ele repetia durante todos os dias do ano: “Livros e cadernos sobre as carteiras”. Era exigente, às vezes dava algumas esculhambações de colégio só de homens que hoje seriam consideradas aviltantes, algo do outro mundo, mas que nós estávamos acostumados e não ligávamos mesmo.

Uma vez, porém, na hora de dizer qual seria o livro do mês, ele nos disse que iríamos gostar daquela indicação, que seria mais moderna, mais atual, mas nem por isso menos clássica, apesar de ter sido escrita alguns anos antes (em 1964, mais precisamente) e colocou no quadro-negro (que ainda era negro): O mistério dos MMM. Houve algum silêncio na sala até ele explicar que era um livro policial escrito pelos melhores ficcionistas do país na época. Cada um deles tinha escrito um capítulo.

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Inicialmente a sedução por ler o livro foi a mesma dos anteriores: próxima a zero. Mas o primeiro colega que começou a ler disse que era muito melhor do qualquer coisa que havíamos lido antes. Corri então até a livraria no Edifício Avenida Central que vendia as famosas Edições de Ouro para comprá-lo. Claro que o colega não falava em termos literários, antes que alguém me excomungue, e sim, em termos de interesse para adolescentes que só viam, escutavam e falavam de futebol. Pela primeira vez li e comentei um livro em casa, na hora do jantar. Meus pais não conheciam e apreciaram meu interesse. Minha mãe devoradora da Agatha Christie, depois leu e gostou, mas achou mais interessante a diversidade de autores: Rachel de Queiroz, Antônio Callado, Dinah S. de Queiroz, Orígenes Lessa, Viriato Corrêa, José Condé, Jorge Amado, Lucio Cardoso, Guimarães Rosa e Herberto Sales.

Li em três dias, fui muito bem no trabalho sobre o livro, assim como a turma toda. Foi uma sensação nova: ler algo, gostar e ter com quem comentar. Infelizmente foi um sopro. Em seguida, voltamos ao universo de Lucíola (José de Alencar) e O Ateneu (Raul Pompeia) e outros.

Cerca de uma semana atrás, escondido numa livraria pequena, onde entrei para fazer hora pois estava adiantado para um compromisso, vi ali a minha adolescência de novo: lá estava o Mistério dos MMM com capa nova, ainda das  Edições de Ouro, um único exemplar.

Peguei, li algumas partes rapidamente. Senti uma enorme nostalgia, a lembrança das aulas à tarde com o calor da Praça Mauá, o suor depois do recreio com todos correndo atrás de várias bolas, como se fossem e quisessem ser os craques da próxima década, e de novo:

— Livros e cadernos sobre as carteiras!

Comprei o livro. Vou apenas guardá-lo. Aquele que leu ficou lá trás. Não vou estragar suas impressões.

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