— Vai lá…ela sorriu…é a sua chance…vai logo…
— Não vi ela sorrir nada…você tá inventando só para eu me dar mal…
— Você acha que eu ia te sacanear? Vai lá e vê se ela tem uma amiga…
Esse diálogo deve ter se repetido com grande frequência durante a adolescência de muitos meninos. Não sei como funcionava exatamente entre as meninas, mas creio que deveria ser parecido. A diferença é que naqueles tempos já distantes para mim, o mais comum era que costumavam esperar que a iniciativa partisse dos meninos.
Hoje em dia, separado e sujeito a frequentar ocasionalmente locais de maior exposição à paquera, ao flerte, ou a qualquer outro nome que se preferir, constato que os movimentos se alteraram completamente. Digamos que o balé mudou.
Por uma questão de temperamento, devo dizer que chego a ficar sem graça ou até mesmo um pouco constrangido com algumas atitudes ou gestos mais diretos, feitos pelas mulheres, mesmo achando que é um grande avanço ver que as moças também estão assumindo a iniciativa. Ficou para trás o tempo das donzelas que precisavam ser conquistadas por um príncipe encantado. Ficou para trás o falso pudor. A troca de gentilezas também ficou mais espontânea. Mas confesso que fico desconcertado com algumas frases ou perguntas inesperadas.
Fui comprar uma camisa numa loja de um shopping e pedi ao vendedor para desdobrá-la. A meu lado, uma moça fez um comentário direto:
— Vai ficar ótima em você. Só precisa cortar um pouco o cabelo. Vai ficar lindo…
Eu, desconcertado, não conseguia olhar nem para o espelho nem para ela.
O vendedor, bem mais novo do que eu, nem se abalou com a observação e continuou a procurar outras camisas com a numeração de colarinho que eu queria. A moça foi para o caixa e partiu. Imediatamente, me lembrei das frases dos amigos na adolescência. Mas fiquei estático e até demorei para terminar a compra.
Se incidentes desse tipo ainda me deixam sem graça, o que dizer das investidas femininas mais fortes ou mais diretas, aquele famoso convite com segundas intenções, como diriam os mais antigos, coisas do tipo “Quer conhecer minha coleção de discos?”
Claro, a frase foi atualizada e hoje é utilizada por homens e mulheres.
Noite dessas, encontrei um grupo de amigos num bar. Alguns já se conheciam há muito; outros foram apresentados naquela noite. Enquanto batia papo com gente que eu não via fazia muito tempo, percebi que uma das “novatas” me olhava e aproveitou a primeira deixa para sentar-se a meu lado.
Começamos uma conversa e depois de não mais do que vinte minutos, ela me sugeriu de maneira tranquila, ajeitando o cabelo para atrás da orelha:
— Vamos lá para casa. Amanhã a gente faz junto o café da manhã…
Sem saber se sorria ou caía na gargalhada, entre espantado e pasmo, respondi quase entre os dentes:
— Vamos…
Ela abriu a bolsa, deixou a parte dela da conta e me olhou quase que me perguntando por que eu não estava fazendo o mesmo. Claro, agi imediatamente.
Levantamos juntos. As pessoas que estavam na mesa nos cumprimentaram. O mais novos, um tanto indiferentes, o mais velhos, atentos. Saímos.
Na rua, perguntei para ela:
— Leite quente ou frio?
como e bom ler .
Obrigado!