O acaso existe

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Chance I

Na sala de espera do cinema, ela estava bem enrolada. Bolsa, sacola, celular, pipoca e refrigerante. Não conseguia comer, beber, nem falar nem teclar, quanto mais se levantar para entrar e ver o filme.

De maneira cavalheiresca, ele se apresenta, oferece ajuda. Antes de conseguir aceitar, agradecer, sorrir ou esboçar qualquer reação, ela derruba o refrigerante nele e as pipocas no chão. As pessoas em volta riem, desviam, até fazem cara feia. Sem saber o que dizer, ela fica vermelha e murmura suas primeiras palavras:

— Mil desculpas… Escorregou… Tomei um susto… É…

— Sem problemas… Deixa eu passar uma água na camisa e no braço. – Ele toma o rumo do banheiro masculino, mas se vira. — Não vai embora.

Ele fala pausadamente e sai, enquanto ela quase deixa o celular cair dentro do que havia sobrado do refrigerante, ri de nervoso e volta para o sofá.

— Pronto. Precisamos de outro refrigerante e outra pipoca, mas desta vez eu levo. Você está pronta pra levantar?

— Olha, desculpa. Você está com a camisa toda molhada e vai entrar no cinema com ar-condicionado. Não prefere esperar secar?

— Não tinha pensado nisso. Você fica comigo esperando a próxima sessão ou não pode?

— Fico. Acho que preciso mostrar que não sou tão idiota quanto pareço.

Agora, reparando com mais calma, ele percebe o quanto ela é atraentemente comum. Difícil saber a idade, o cabelo curto engana um pouco, e nenhum anel de compromisso. Apesar de não acreditar, o horóscopo do jornal  dizia que ele encontraria alguém, ainda mais tão atabalhoadamente divertida e comum.

— Você ia ver também o filme do Homem Aranha?

— Não – riu ele – ia ver Vargas.

— Mas você perdeu sua sessão!

— Mas estou aqui conversando com você, acho que fiz a opção certa.

Ela volta a ficar vermelha.

— Sujei sua camisa, fiz você perder o filme que queria assistir. Desculpa! Sou muito estabanada!

— Já que os dois perderam suas sessões e levando em conta que pipoca e refrigerante não alimentam, aceita um jantar?

— Hã…nós nem nos conhecemos…

— É verdade, mas podemos fazer isso sentados no restaurante, conversando. Faz algum tempo que muita gente me diz que eu deveria dar chances à vida para as coisas acontecerem. Quem sabe seu nome não é vida?

Rindo meio de canto de boca, sem mostrar totalmente os dentes, ela abaixa a cabeça e diz:

— Não me chamo vida, mas acho que as chances aparecem sim.

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