Em um bairro pequeno como a Urca o divertimento está principalmente na rua, no entorno, no meio ambiente. Muitos daqueles que pertencem à minha geração e moraram por aqui no passado viveram a experiência de pescar no chamado paredão, que hoje em dia, para desgosto dos saudosistas, é mais conhecido como a “mureta”. O mar era como mais um quintal para nosso divertimento. Chegávamos a cometer barbaridades como esperar as chuvas de verão, no final dos dias quentes, para cair na água morna enquanto chovia.
Durante minha infância e adolescência, havia no bairro lendários pescadores como seu Amadeu, amigo de meu avô e morador de uma casa que ficava a quinze metros do mar. Costumava colocar uma enorme vara de bambu presa a um gancho que ele mesmo pregara no “paredão” (que está lá até hoje, aliás) e voltava para casa. De vez em quando, conferia da varanda se havia fisgado algo. Não raro, víamos badejos de 1,5 quilo ou dois pegos por ele.
Outro pescador contumaz era Botafogo, um funcionário público federal aposentado e que apesar do apelido torcia pelo Vasco e não pelo Glorioso. Ele pescava para se divertir, se alimentar e conseguir algum dinheiro extra. Várias vezes vi minha mãe comprar peixes com ele.
Eu e meu irmão aprendemos a pescar com meu avô. Ele tinha duas varas de bambu com molinetes Atlantic. Um era brasileiro, e outro, seu xodó, francês, Atlantic Ru. Fomos uma vez, saindo pouco antes do sol nascer, pescar perto da pista do aeroporto Santos Dumont, e garanto que foi uma das manhãs mais felizes que tive na companhia dele. Ele nos ensinou a “criar” nossos chumbos para a pesca derretendo restos de canos e outros objetos sem utilidade da casa, guardados na sua garagem, um universo paralelo para nós.
Em função do meu tamanho, pequeno para as varas de pescar de mais de dois metros, ganhei no Natal de 1972 uma vara de fibra de vidro, grande novidade da época e um molinete nacional De Paoli, que fazia um barulho característico, reconhecido de longe.
O bairro não estava na moda como hoje em dia, então meus amigos e eu pescávamos na hora que queríamos, em qualquer lugar. Hoje além do espaço ocupado pelos habitués do Bar Urca, aos finais de semana há uma “invasão” de amadores filiados a clubes de pesca, que se estendem por mais de 300 metros do paredão. Mas a baía da Guanabara já não é tão limpa e profícua nas espécies.
Existia uma época do ano, no verão, entre as 18h e as 19h30, quando pescávamos peixe-espada, conhecido por “brigar” muito e ser pescado com boias “luminosas”. Alguns as compravam já prontas. Nós produzíamos as nossas com saleiros de plástico, vedados com Araldite, e com resistência, pilha e pequenas lâmpadas adquiridas na loja de ferragens do bairro. Nesses dias era um divertimento e o paredão ficava lotado de pescadores e curiosos.
Andando pela orla do bairro, sempre que passo por aquele parafuso preso na pedra eu me lembro das minhas pescarias com amigos, dos personagens do bairro e do meu avô que tornou nossas infâncias um período tão feliz e que deixou tantas saudades.