Craques aposentados

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Srs de Meia idade IV

Reunião de senhores de meia-idade, amigos por aproximadamente 35 anos, nem sempre resulta em boas ideias.

– Vamos marcar uma pelada lembrando e celebrando nossas manhãs de sábado, depois das aulas – alguém sugeriu.

De repente, ninguém mais se entendeu nas mesas juntadas do pé-sujo onde se reuniam a cada dois meses. Pediram mais umas cinco cervejas e outros tantos sanduíches de pernil, com e sem molho, até que uma voz cheia de lucidez ressoou:

– O campo precisa ser pequeno. Tem que ser de manhã e quem tiver filho com idade para jogar pode e deve levar.

Não era uma ducha de água fria na empolgação, mas a sensatez falando mais alto, dada as circunferências abdominais, as carecas e os cabelos brancos dos presentes e dos demais convidados.

Como nenhum assunto sério dura mais do que três minutos nesses encontros, vieram sugestões de ambulância, cardiologistas e é claro enfermeiras e massagistas entre 20 e 25 anos de idade, no máximo. Mais uma vez interveio a voz da lucidez:

– O jogo deve ser realizado no andar térreo do hospital Copa D’Or com a assistência também de advogados para divórcios litigiosos e abertura de inventários…

Gargalhadas, mais brindes, outros sanduíches.

A previsão era de que o sábado seria quente, e assim foram providenciados mais sacos de gelo para os diversos isopores de cerveja espalhados na beira do campo de grama sintética alugado para a famosa pelada de celebração. Tinha gente suficiente para quatro times de “cinco na linha e um no gol”, só podendo ter um abaixo de trinta anos por time. Os jogos seriam de dois tempos de vinte minutos com intervalo variável, conforme o nível de exaustão dos jogadores. Juiz contratado e uniformizado dava o tom da seriedade. Em função do físico dos atletas, a antiga formação de “com camisa contra sem camisa” foi substituída por camisas do Barcelona, Flamengo, Fluminense e Bayern de Munique, Ficou estipulado que o time campeão não racharia a conta: era o troféu a ser disputado.

A atmosfera era de ginasiais excitados, discutindo, rindo de nervoso, e saudosos que estavam. O cheiro de Gelol pairava no ar e alguns afoitos já começavam o aquecimento, dando pitacos sobre o campo e as bolas que apareciam: cinco, todas novas em folha.

– A gente tinha uma só para jogar e quando furava era complicado fazer vaquinha para comprar um nova – um deles lembrou rindo.

Mulheres abnegadas, filhos e filhas orgulhosos se esmeravam nas fotos individuais e de grupos.

O churrasqueiro separava o material e se divertia com as provocações entre os times, escolhidos por sorteio para evitar constrangimentos que deixaram traumas, como não ser escolhido para jogar ou ficar por último.

Discussões de última hora sobre escolha de lado do campo devido ao sol, sobre a bola a ser usada e apostas sobre vitória, gols feitos, enfim todo o tipo de bobagens permitidas aqueles senhores de aparência madura, por fora, e competitivos adolescentes loucos por minutos de futebol, por dentro.

Em respeito a todos, não haverá descrição dos jogos, só a certeza do orgulho dos que assistiram, a glória dos que jogaram, a renovação de amizades, com promessas de novos jogos, mais cheiro de Gelol no ar e farta distribuição de Dorflex a todos.

Para o registro, o juiz teve pouco trabalho. Os filhos que jogaram foram de uma sensibilidade impressionante em relação ao acontecimento e fizeram questão de se manter como coadjuvantes. O churrasqueiro foi ovacionado e a cerveja estava gelada.

O que mais querer de uma reunião de senhores de meia-idade? Às vezes resultam em más ideias. Em outras vezes, porém, elas podem ser ótimas.

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