Sem palavras

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vocabulário II

– Ontem a festa foi do c&*#@!!!

– C&*#@ e eu perdi…

– Porra, mas eu te avisei, c&*#@!!

– Pois é, mas eu achei fosse caô. Fiquei em casa vendo a porra de um filme que nem me lembro que c&*#@ era!

Escutei esse diálogo num trajeto de ônibus entre o Leblon e Ipanema. Ele foi proferido por duas meninas de uns quinze anos, no máximo, com uniforme de um tradicional colégio carioca, desses que costuma estar sempre entre os primeiros colocados do Enem.

Não me incomodo com palavrões. Estudei em uma escola só para homens e trabalhei durante décadas no mercado financeiro. Nada disso contribuiria para me fazer um padre. O que chama a atenção é a gratuidade no emprego, que retira a força do palavrão, a altura que falavam e a falta de vocabulário e imaginação.

Falar palavrão já foi considerado uma espécie de protesto em outras eras, nos tempos da ditadura militar, por exemplo. As peças de teatro que se diziam engajadas abusavam do truque e as pessoas se chocavam ao ouvi-los. Hoje fazem parte do dia a dia, usados a todo momento, sem motivo. A meu ver, é realmente fora de propósito qualificar uma festa, uma comida, uma pessoa com um palavrão quando estamos fazendo um elogio.

O tom elevado da conversa dentro do ônibus já é algo que me irrita por si só, mesmo que estivessem cantando salmos ou a música que mais gosto. Nesse caso, as meninas falavam sem se preocupar que existem pessoas que ainda se sentem incomodadas em escutar gratuitamente palavras que não gostam. Mas, a questão aí é a tal da educação, e diria diferente, da civilidade.

Hoje porém quero chamar atenção é mesmo para as deficiências de vocabulário e para a perda do poder de comunicação de uma maneira mais abrangente. E isso não se resume ao emprego indiscriminado dos palavrões. Proliferam por aí as chamadas muletas linguísticas. Acredito que nos dias de hoje não existe palavra mais falada no idioma português do que o infalível “tipo”. Aparentemente, ninguém é capaz de completar uma frase sequer sem usá-la, mesmo quando não há a mais remota comparação.

– Filho, como foi na redação?

– Mãe, tipo assim… O tema não foi legal, tipo…era uma coisa que eu não sabia direito. Tipo um tema que não foi dado no cursinho…

Esse pequeno diálogo é real. Eu o ouvi enquanto esperava minha filha em um vestibular aqui no Rio.

Não quero que se fale como no início do século, e sei que minha geração também tinha gírias, palavras usadas nem sempre no seu sentido mais conhecido. O que me deixa intrigado é a falta de imaginação. Sabemos que existem aberrações nas redações do Enem, o que não chega a causar estranho quando se leva em conta o enorme universo de pessoas que fazem exame. Minha curiosidade é saber como anda a escrita média. Como é que a expressão escrita da maioria.

Procuro não ser muito chato, mas quando minhas filhas colocam mais do que quatro “tipos” na frase, eu peço para que elas comecem de novo.

Já imaginaram se a nossa presidente, com toda a sua dificuldade na oratória, também apelasse para essa muleta? Eu juro que não perderia nenhum discurso de improviso. Seria “tipo assim”, de rolar no chão de rir, ou de morrer de vergonha alheia.

 

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