Amigo oculto ou secreto?

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Amigo oculto IV

A secretária do chefe passava por todos com aquele saquinho na mão e me dava frio na espinha só de ver:

– Vamos tirar o amigo secreto… Tira um papelzinho, devolve se for o seu nome e pega aqui as instruções do presente…

Essas manifestações públicas sempre foram um sacrifício para mim. Sou capaz de falar em uma palestra num auditório com centenas de espectadores, de comandar uma reunião ou qualquer coisa profissional, mas esses eventos “sociais” costumam estar associados a situações embaraçosas que me fazem tremer e travar a voz.

Fui buscar um café na copa do escritório e encontrei uma assembleia em andamento. Várias pessoas tentavam adivinhar quem cada um havia tirado. Outros se lamentavam. Poucos gostaram dos seus “amigos” sorteados. Discussões sobre o valor do presente e todos já imaginavam a imitação fariam para identificar o presenteado. O que bastou para me deixar em pânico diante da possibilidade de ter que fazer alguma coisa dessas.

Bem, eu havia sido sorteado com o nome da moça da área administrativa com quem eu tinha nenhum contato. Ela era temida, pois era a “tesoura” dos custos do escritório e controlava tudo com um rigor às vezes excessivo. Chegou a trocar a qualidade dos copos de plástico. Teve que rever seus conceitos quando percebeu que alguns vieram furados ou queimavam a mão dos que tomavam café muito quente. Aconteceu o mesmo com o papel higiênico e as reclamações foram bem mais contundentes.

Tentei encontrar alguma coisa para ela no shopping, mas como a conhecia muito pouco ficava restrito a algo impessoal e sem graça. Gosto de dar presentes, mas sabia que tinha que ficar dentro daquele padrão vigente no escritório, mas não queria ser nem deselegante nem frio, afinal tinha uma posição de destaque no escritório.

Munido de um belo lenço e de um livro, cheguei á festa de Natal do trabalho. Levei dois presentes que não extrapolavam em muito o teto proposto. Missão cumprida. Naquele momento o que visivelmente me incomodava era fazer a tal da “imitação” ou dar as “dicas” para que adivinhassem o dono do presente.

Com a liberação da bebida e do bufê, começaram os vexames habituais de festa de fim de ano: alguns porres começando mais cedo do que o imaginado, algumas tentativas de cantadas, algumas observações desagradáveis sobre a roupa de alguns e a reclamação normal de que a chefia poderia ter escolhido local melhor. Nada saía do script e eu continuava nervoso com a proximidade da distribuição dos presentes.

Tem sempre um saidinho que pega o microfone do DJ para começar as piadas sobre os presentes, e isso aumentava a minha “vergonha alheia”.

Alguns mais empolgados pediam que começassem logo as imitações ou as dicas sobre os seus presenteados. Em um único momento de lucidez, por consenso se acordou que o chefe começaria. Rezei com muita fé que eu fosse o amigo do “dito”, assim usaria da timidez dele para me expor pouco e poderia seguir na linha dele ao anunciar a minha amiga. Minha fé pouco adiantou, e começou o infindável desfile de gracinhas, até que pouco prestando atenção ao que acontecia na pista de dança onde havia as manifestações e entrega dos presentes com fotos e outros constrangimentos, escuto ao longe:

– Mesmo depois de vinte anos de São Paulo ainda diz “amigo oculto”…

Essa era comigo… Fui chamado e recebi uma bonita camisa do Fluminense de um bom amigo do escritório. Por alguns segundos me senti bem. Imediatamente depois fiquei sozinho com o microfone na mão e sem saber o que dizer. Segundos intermináveis se passaram. Sem que eu me desse totalmente conta, apelei para algo que tinha pensado no dia anterior. Em silêncio tirei uma tesoura do bolso e arranquei uma gargalhada geral e gritos:

– Stella, Stella…

Ela veio algo encabulada, agradeceu, pegou os presentes e me confessou, apavorada:

– Não sei o que dizer agora sobre o meu amigo secreto…

Quando é que perceberão que os tímidos são a maioria?

 

 

 

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