Caminho no calçadão de Copacabana todas as manhãs, desde que me mudei para o bairro. Não demorou muito para que eu reparasse na intensa movimentação de cães e seus donos, todos munidos de saquinhos plásticos. Senhorinhas de chapéu com animais pequenos e muito arrumados, rapazes com labradores e bull terriers. Uma variedade imensa em quatro patas. Copacabana já completou mais de cem anos, é verdade. O bairro abriga diversas gerações e muitos moradores encontram nos bichos além de uma boa companhia, também um pretexto para a interação social.
Na porta do prédio onde moro, tem uma daquelas bancas de jornais grandes, que expõem as manchetes dos dias e não apenas revistas de fofoca e de sacanagem. Da segunda vez, que passei por ali, fui imediatamente abordado por um “local” acompanhado por um beagle:
— Oi. Como vai? Como é seu nome? Eu me chamo Zé Renato e esse aí é o Carlos (apontou para o cão). O dono da banca é o Zico. É gente boa, apesar do apelido. Melhor banca do bairro, traz tudo do mundo inteiro.
Carlos me cheirava, sem cerimônia.
— Já ficou seu amigo. Aposto que você é tricolor. Ele conhece de longe.
Não contive a risada.
Outro senhor acompanhado por um cão interferiu:
— Ah, não leva esse sujeito a sério. Sou o Ormindo. E esse aqui é Charles. Ao contrário do Carlos, ele é muito politizado. Quer ver?
— Dilma?
E o cachorro latia.
–FHC
E ele dava a pata.
Mais um senhor e seu cão se juntaram ao grupo: Bernardo, o dono, e Bernard, seu collie. Ormindo baixou a voz:
— Esse é uma besta. Votou no Bolsonaro.
Antes que eu pudesse dizer alguma coisa, partiram todos para o passeio à beira-mar. Entendi que eles se encontram por ali diariamente.
Aproveitei para fazer o mesmo. Depois de caminhar um pouco, sentei no banco ao lado do Carlos Drummond de Andrade, para ouvir o barulho do mar e observar a perfeição das ondas. Uma senhora ficou me encarando feio, até que exclamou num tom forte disse:
— Este é o lugar do Andrade…
Não resisti:
— E agora José?
Acho que ela não entendeu a piada.
Quando deixo para dar uma volta à noite, entre o fim do jornal e o início da novela, reparo que há mais cachorros e donos pelas calçadas, mas todos parecem mais tensos e sisudos que os frequentadores da manhã. Alguns donos seguram as coleiras com o olhar perdido, disperso em algum ponto no mar. No que será que pensam? Na nota dos filhos? No orçamento? No cheque especial? Têm medo de perder o emprego? Sei lá. Até os cães se comportam de uma forma diferente, parecem mais apáticos e nem dão aquela tradicional cheirada.
Volto ao banco de Carlos, já me sentindo amigo íntimo. Tiro fotos para turistas e quando eles se vão, pergunto cismado ao poeta:
— Qual é a diferença entre a noite e o dia?
— Ora, a diferença são os cachorros. São eles que determinam o humor do Posto 6. E acho que a essa altura você já descobriu que aqui é o centro do mundo.
Falou Drummond? Tocou profundamente meu coração. Talvez não amasse tanto as letras se não o tivesse conhecido. Ele é meu poetinha, beijei muito essa estátua quando estive no Rio pela primeira vez. Deslumbrada, tiete. Nunca me canso de ler – Professor Limão- e não consigo fazê-lo em voz alta prq tenho cólicas de rir. Saudades desse amor eterno!
Que bom que tenha gostado de ter colocado Drummond como personagem. Obrigado pela leitura.