Sempre tive enorme curiosidade em conhecer Veneza. Meus pais viajaram para lá quando eu era menor, e adoraram. Eu até ganhei uma camisa de gondoleiro. Depois de uma semana de Roma, onde me extasiara com os monumentos e me exaurira por ter feito tudo a pé, seguimos para Veneza de trem.
À medida que a composição se aproximava de seu destino, o trilho parecia ficar suspenso na água. Senti algum receio e percebi que, definitivamente, a cidade existe em alguma dimensão diferente do tempo atual. Naquele momento, eu já via que voltava 400 anos.
Na estação, uma senhora nos esperava para ajudar com malas e nos conduzir ao hotel. Cumprimentei-a e carreguei as quatro malas, todas pesadas, até a lancha-táxi. Depois de recuperar o fôlego, comecei a me deliciar com os palazzos e o movimento no Gran Canale. Era um sonho. Verão, temperatura agradável, vento e a sensação de que o mundo que eu conhecia tinha ficado não sei bem onde.
Ao chegar ao Bauer Hotel, quase perdi a voz: era muito mais do que imaginara para uma segunda de lua-de-mel. O quarto com móveis do século XVIII incorporavam todas as modernidades das telecomunicações e um banheiro espaçoso. Da janela, via-se o Gran Canale.
Tão grande era a minha curiosidade que, apesar das reclamações, saímos para o primeiro passeio ainda sem desfazer as malas, sem destino certo, sem saber para onde íamos. As micropontes sobre os canais, as casas de pedra, praças que se abriam, as pessoas sem pressa, todos a pé, formavam um conjunto inacreditável para quem vivia em São Paulo.
As primeiras duas horas de caminhada não foram suficientes para baixar os níveis de adrenalina e chegar no ponto dos demais transeuntes, possíveis moradores ou outros visitantes como eu. Paramos para comer um pão com prosciutto crudo e tomar uma taça de vinho. Eu tinha me esquecido de comer e já eram quase cinco horas da tarde. Sentado numa mureta, tentei me acalmar e observar os detalhes. Eram tantos que passavam a ser os atores principais.
Da varanda do hotel, eu via o entardecer, tomando cerveja gelada e pensando como foram fantásticas as pessoas que construíram aquela cidade. Talvez seja mesmo um pouco brega, mas era ótimo ouvir o canto dos gondoleiros durante seus passeios.
Poderia falar dos monumentos, das igrejas, de Murano, mas fico com coisas de quem é curioso. No meu passeio de gôndola, expliquei que falo italiano e que queria ver um canal seco. Fomos até lá e então aprendi como as casas têm luz, gás, telefone, internet, água e como é feita coleta de esgoto. O resto funciona na base de barcos. Eles substituem os carros e caminhões. Vi uma feira, a embarcação de coleta do lixo e o correio. Um espetáculo de se entender.
A beleza e as curiosidades foram me cativando cada vez mais enquanto eu andava. Andar, andar e andar e entender porque a filha do bilionário Guggenheim, Peggy foi morar em Veneza, visitar o museu que legou, o Palácio dos Leões e depois, à beira do Gran Canale, nos fundos da propriedade, comi um simples penne con pommodori e salvia, e depois pannacota e um expresso. Absolutamente normal, e completamente espetacular.
Andar, andar e andar, dar dezenas de buongiorni a turistas e residentes. Todos gostam e têm orgulho de se enfronhar pelo emaranhado de becos e vielas, descobrindo novos cantos, novas fotos. Ali, só para contrariar Cazuza, o tempo para. Eu desfrutava intensamente o que o trabalho tinha me proporcionado, mesmo que algumas vezes eu me sentisse sozinho. Aquela calma criava em mim uma agitação. Tinha vontade de ficar acordado noite e dia para andar mais, ver a alvorada e o crepúsculo, aproveitar o sol de verão e as estrelas nas noites mornas.
E decidi então que Veneza seria o lugar onde gostaria de passar meus últimos dias.
Oi Mariane, sou um novato, escrevo há menos de dois anos, e minha experiência é por enquanto por aqui por enquanto. Mas obrigado pelo incentivo.
Vc tem um livro escrito? Em papel, pra gente pegar, ler, cheirar…senti o cheirinho do papel.
Se tiver publique, eu lerei, lerei de novo, lerei de novo, até chegar o próximo.
Seu jeito de escrever é bem intimista, leva a gente junto.