Chega mais

Entre as melhores coisas da vida, destaco o flerte e a paquera. Vejam bem: são dois momentos diferentes da conquista que se completam. O flerte não tem hora, lugar ou situação. Pode ser um ou vários. A paquera, por sua vez, é um estágio acima. Existe foco. Já se sabe pelo menos o lugar e a hora que ela (ou ele) pode se aproximar.

O flerte é um jogo onde ninguém se conhece, como se fosse adivinhação, e tem um quê de uma atração por instinto animal. No grupo, na praia, na noite, na reunião, onde for, avista-se alguém diferente.

É dada então a partida para sorrisos, olhares, piscadelas, gestos pequenos, minúsculos, expressões no rosto como que procurando anuência e todo um imenso arsenal de truques, tiques e gestual. Nesse momento o importante é se destacar, sem perder a noção do resto em volta. Afinal, o flerte é plural, não é fiel. É uma rede jogada. É a vontade de algum perigo.

Não se pode ser insistente. É algo rápido, de empatia imediata, de se ter a sensação de que aquele ambiente faz bem.

O flerte não se incomoda com a negativa, não tem orgulho, é uma tentativa sincera e educada de algo a mais. O flerte não é uma cantada: ele não quer ir direto ao ponto, ele quer deixar no ponto.

A paquera surge quando a rede do flerte “traz” alguém para mais perto. O jogo muda rapidamente. Para alguns, surgem sintomas como mãos geladas e frio na barriga. Preciso esclarecer, porém, que quando isso acontece é porque já se ultrapassou etapas e a paixão se instalou. Devagar com o andor.  Na verdade, o que pretendo aqui é fazer um passo-a-passo da paquera.

A essa altura, você conhece horários, permite-se pequenas escapadas, os sorrisos já estão sincronizados. Quando se aproximam, acontece algo como um roçar de braços e ver quem vai ficar “vermelho” primeiro. O jogo fica mais gostoso a cada dia. Algumas estratégias são permitidas. Ocasionalmente, atrase ou adiante um pouco aquele momento em que sempre se veem. Finja um dia que não vai aparecer, mas fique de longe olhando. Guarde o perfume que ela (ou ele) usa. Isso fará parte de sua vida, acredite. Observe a roupa que lhe cai melhor. Essa será a imagem que ficará e que será lembrada daqui a vinte anos em conversas com bons amigos ou com os filhos. A cada encontro, sem muito planejamento, alterne seu humor. Não se mostre sempre da mesma maneira. Repare nela (ou nele), faça comentários inesperados. Não fale o óbvio, mesmo sabendo que seria o melhor. Não avance sinais, não se precipite. Se quiser, abandone a paquera e não engane mais. Vá direto ao ponto. Apesar de todas essas etapas, a paquera não dura mais do que duas semanas. Nos dias de hoje, a fila não anda. Ela corre!

Pessoalmente, acredito que não deve ser dispensada. Qualquer namoro exige paquera. Vá lá, o flerte pode ser deixado de lado, mas uma aproximação aparentemente desinteressada, em que se finge que tudo o que se quer é apenas um bate-papo é algo para se guardar, quantas forem ao longo da vida.

A cantada pura e simples tem seus adeptos e, claro, que também conta com sua cota de sucessos, mas seu alcance é como voo de galinha. Posso parecer antiquado, mas creio que existem ritos e passagens que quase todos nós precisamos experimentar. E não há idade para isso, não há tempo exato. Há estado de espírito. Há a vocação para se gostar.

Conheço histórias de amor que duraram décadas e ainda perduram, sem seguir esse percurso. Conheço também amores que duraram meses, mas que renderam lembranças inesquecíveis desses momentos mais inocentes. Não há uma fórmula pronta. Há apenas o desejo de não se esconder.

Steve McQueen e Faye Dunaway dão uma aula prática em uma cena de Crown, o magnífico.