Aprendendo a comer em São Paulo

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Beiruth II

— Carioca, vamos almoçar no Frevinho. Topa?

Topei. Era a primeira vez que recebia um convite desse tipo dos meus colegas de trabalho. Tudo me parecia novidade boa naqueles tempos de recém-chegado a São Paulo. Fui conhecer uma lanchonete típica da cidade e os hábitos do pessoal da minha idade. Nos dias anteriores, com algum receio, tinha explorado as redondezas do escritório e acabei comendo no McDonald’s. Nunca achei ruim, mas sabia que daquele jeito não daria certo.

Achei engraçado quando cheguei na lanchonete. O dia estava nublado e o símbolo do estabelecimento era um dançarino de frevo de sombrinha e tudo. Me explicaram que aquela era uma das cinco lanchonetes mais concorridas da cidade, a mais antiga, com algumas coisas só dela. Meu conceito de lanchonete carioca era completamente diferente, mas nem quis comparar quando vi o cardápio.

Não era e nem será fast food. Não há como comparar. Lá servem refeições de verdade, que talvez não sejam lá tão saudáveis, mas são ótimas.

— Olha recomendamos a você, como novato por aqui, o milk shake de chocolate e o beirute de filé.

Nem pestanejei, segui a recomendação, não sem antes pensar por que um milk shake seria tão diferente assim. Mas sabe como é: pato novo não mergulha fundo. Um dos amigos me contou que aquela lanchonete já tinha 28 anos, fundada em 1956, mas que ninguém sabia por que o nome Frevo.

Beiruth I

O sanduíche que chegou era algo novo para mim na época, a começar pelo pão sírio, nada comum no Rio na época. No recheio, uma boa combinação de rosbife, queijo prato, tomate, alface e uma maionese diferente, que logo me explicaram ser feita lá mesmo, que dava um tempero muito bom. Vi então que o garçom colocara na minha frente aquele copão típico de milk shake americano, com as paredes cobertas de muita calda de chocolate. Em seguida, colocou aquele copo metálico que vai no mixer ao lado do copão. Meus novos amigos me olharam e viram que eu estava assustado com o tamanho do sanduíche e mais assustado ainda com quase um litro de milk shake à minha frente. Quase ao mesmo tempo disseram:

— Bem-vindo a São Paulo!

Sem querer passar vergonha, pensei se os preços do cardápio correspondiam àquilo que estava a minha frente ou se pagaria mais. Dúvida desfeita a meu favor na hora da conta, que também não me deixaram pagar.

Ao longo de todos os anos que passei por lá aprendi o conceito de lanchonete paulista. As outras famosas que também tem cerca de 40 anos hoje são New Dog, Hamburguinho, Joakin’s e Milk and Mellow. Nesse meio-tempo, muitas outras nasceram e morreram. É claro que no tempo que passei em terras paulistas engordei e emagreci algumas vezes, mas a tentação dos sanduíches imensos e dos milk shakes seguia boicotando minhas tentativas de manter o peso.

Minhas filhas continuam a frequentar esses mesmos lugares. A mais velha tem especial queda pelo tradicional Frevo, enquanto a mais nova prefere a cadeia Fifties, que já tem 15 anos, e se espalhou para fora de São Paulo, com filiais inclusive no Rio. Mas ela não guarda a tradição dos grandes sanduíches como as outras.

Essa é uma das coisas que tenho saudade de São Paulo. Comer bem, mesmo que seja um mero sanduíche, é a cara da terra da garoa.

 

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