O pôr-do-sol nas margens de um lago no Colorado. Uma aula sobre a montagem de um coque perfeito. Passeio de carro por uma rodovia à beira-mar em algum país onde é dia claro enquanto aqui já anoiteceu. Já deu uma olhadinha por aí hoje? Essa é a proposta do Periscope, um aplicativo para celular (por enquanto apenas para iPhone) lançado no final de março pelo povo do Twitter, uma rede social para transmissões ao vivo, o chamado live streaming. Pode parecer uma ideia besta entrar em mais uma rede para assistir cenas aleatórias em línguas indeterminadas. O fato é que, segundo o CEO do Twitter, Dick Costollo, mais de um milhão de pessoas mundo afora curtiu a ideia e aderiu em menos de dez dias de atividade. Quem aderiu logo no começo percebe facilmente o crescimento exponencial das transmissões, até fácil de explicar. Se você tem uma conta no Twitter, basta baixar um app, dar um clique e – pronto – sua rede de contatos estará ali, pronta para ver e ser vista. Sempre que algum amigo entrar no ar, você recebe um alerta no celular.
Como tudo na internet, o Periscope não está nada imune ao besteirol. Da mesma forma que se multiplicaram pelo Instagram as fotos enfeitadas de comida, bichinhos de estimação (nada contra, acho fofo), asas de avião e pés em ambientes paradisíacos, o Periscope está repleto de material que faz a gente se perguntar uma coisa simples, em primeiro lugar: por que raios essa pessoa resolveu fazer uma transmissão ao vivo da sua noitada em um bar caído em San Juan, Porto Rico. E logo em seguida: por que raios estou vendo isso mesmo? Aparentemente, os primeiros clichês identificáveis são os live streaming de passeios de carro, festas variadas, adolescentes entediados, prontificando-se a responder perguntas dos espectadores. É possível interagir por mensagens e demonstrar apreciação pelo envio de coraçõezinhos.
Calma. Antes de descartar a novidade como mais uma bobagem digital, devo dizer que há muito conteúdo válido e pertinente no ar. Mais uma vez, como em tudo relacionado com as redes sociais, é preciso peneirar. Algumas empresas jornalísticas já entenderam todo o potencial que têm nas mãos. Nos dias que seguiram à desolação causada pelo terremoto no Nepal, repórteres da BBC caminhavam pelas ruas de Catmandu entre escombros, com imagens sob a perspectiva de um ser humano bípede diante da devastação, proporcionando uma intimidade que TV nenhuma é capaz de proporcionar. Poucos dias após a aparição do app, o Huffington Post já aproveitava seus recursos em entrevistas com personalidades como a atriz Olivia Wilde (que pertenceu ao elenco de House) e a primatologista Jane Goodall. Ver Goodall, do alto de seus 82 anos discorrendo sobre chimpanzés e meio-ambiente foi uma experiência emocionante.
E os amadores também surpreendem positivamente. Vi uma artista plástica londrina discorrer sobre seu trabalho contemporâneo e responder perguntas pertinentes. Andei pelas ruas de Amsterdam com um turista americano muito bem informado. Recebi um convite para participar de um momento de meditação coletiva. A qualidade das imagens varia muito. Dependendo da conexão, a transmissão pode travar com frequência. Apesar de todas as limitações, como jornalista, estou empolgada com as possibilidades. Por outro lado, antevejo o surgimento de uma terrível fonte de arrependimentos e constrangimentos, com potencial de danos superior ao do proverbial celular na mão de bêbado. Mas nem tudo está perdido. Uma vez concluída a transmissão, os vídeos ficam apenas 24 horas no ar. (Por Livia de Almeida)
Lívia, texto enxuto, interessante. Digno de uma boa jornalista. Bom conhecer aos poucos seu estilo que já percebo diferente do de Mauro, ambos conseguem fazer-se sentir. Vc mais impessoal, ele mais afetado às causas. Só ganho pra nós. Obrigada.