Entre os quinze e vinte anos, quando era rato de praia, os apetrechos indispensáveis eram as havaianas viradas (com as solas para cima), raquete de frescobol, bola de tênis descascada (a melhor para jogar), sunga e camiseta. Sentávamos com a bunda na areia quente. Na praia, vendiam-se picolés da Kibon (chicabon, limão, uva, e côco) e o já tradicional biscoito Globo, salgado e doce. Para beber, havia o mate, feito sempre com uma água de origem suspeita. As meninas, por sua vez, levavam uma canga ou toalha, um pente, uma bolsa enorme e usavam um biquíni maior do que os de hoje em dia. Detalhe importante: tiravam a canga ou o que vestissem por cima do biquíni, de pé.
Pois bem, fui para São Paulo em 1984 e levei um susto na primeira vez em que fui a uma praia por lá.
Em primeiro lugar, o que me chamou atenção é que existiam enormes carros oferecendo todo o tipo de bebida, além de todos os tipos de sanduíches. Duas ou três sorveterias diferentes desfilavam seus produtos na areia. Era como se eu não tivesse ido à praia, mas acabado em uma espécie de praça de alimentação litorânea.
Todos chegavam vestidos, munidos de cadeiras, ou dirigindo-se às cadeiras dos prédios à beira-mar, já em posição. Enfim, ir à praia não era um acontecimento informal, casual, e sim o programa do dia. Só faltava o famoso “frango-com-farofa” que os antigos frequentadores da praia da Urca, dos tempos do 442 (Lins-Urca), traziam nas cestas de vime. Como nunca fui de brigar com o ambiente, fui me acostumando e achando aquela festa uma coisa normal. Para ser bom para o paulista, um lugar precisa ter comida e fartura.
No ano passado, ao voltar para o Rio de Janeiro, espantei-me com o tal “choque de ordem” que proibia a venda de queijo-coalho na areia como também impedia que se abrisse o coco para comer a polpa. Achei tudo meio bizarro, mas fui à praia como sempre. Fui pego de surpresa pelo business que se desenvolveu na orla e pelos novos modismos.
Alguns homens, meninos, ou seja lá o que forem, usam uma sunga maior do que aquela que eu usava aos vinte anos – também é o meu caso — e a imensa maioria veste uma calça cortada na canela chamada de “bermudão” que deixa aparecer, por baixo, a marca da cueca, coisa de um mau-gosto primitivo. Não sei se foi por causa do Fantástico, do Pedro Bial ou da propaganda, mas todo mundo adotou o protetor solar. Lembro que minhas amigas passavam óleo Johnson para ficarem morenas mais depressa. Está certo, admito que nesse caso a mudança foi para o bem.
A cada 100 metros no Leblon, Ipanema, Copacabana, Leme, Praia Vermelha, Urca, Botafogo não conta, e Flamengo há barracas onde se aluga de tudo, até piscina de criança para adultos quando a água está gelada ou suja. Legal. Mas é preciso ser nativo para sentar naquelas cadeiras. Tudo bem. Tem barraca, refrigerantes, cervejas, podem vir num isopor com muitas dentro, o que torna o serviço mais caro, e caipirinha feita com sabe-se lá que marca de vodca ou de cachaça. No sol, vale tudo!
Na areia, dúzias de picolés a preços de Häagen Dazs na Avenue des Champs Élysées, o imortal e eterno biscoito Globo, esfiha, empada, sanduíche natural (feito com maionese Y e transportado numa temperatura de 45º graus à sombra), além do famoso e combatido queijo coalho. Minha filha caçula tem faro apurado, capaz de saber se o vendedor está chegando quando ele ainda se encontra a 200 metros distância. Pergunto-me se nós, os cariocas, nos “apaulistamos” ou se simplesmente nos rendemos ao conforto. Nem uma coisa nem outra. Apesar de fecharmos os olhos com frequência, comer na praia, aqui no Rio, é para os fortes. A sujeira é quase intergaláctica.
Mas voltemos aos frequentadores. Hoje em dia as mulheres chegam mais compostas, de vestidinhos, short, camiseta, canga, chapéu e outros acessórios. Por baixo um biquíni minúsculo, que para mim não é motivo de reclamação apesar de algumas terem perdido o senso de estética em algum lugar entre a loja que compraram a peça e o espelho de casa. Mas para meu espanto, elas se despem sentadas! Não entendo. As duas peças não cobrem mais do que 25 centímetros cúbicos. Como podem ter vergonha de se mostrar?
OK, chega de patrulhamento. Ninguém vai ao mar, só as crianças, os surfistas, pessoas de outra época, como eu, ou turistas. Concordo, não está limpo, mas o que é aquele chuveirinho no meio da areia? De onde vem aquela água?
Os tempos são outros, mas a praia continua maravilhosa. Nada substitui a sensação de furar uma onda, sentir o mar gelado banhando o corpo todo, beber uma água de coco servida especialmente para você, sentir o cheiro de maresia, mesmo que de vez em quando. É daquelas coisas tipo Mastercard, que “não tem preço!”
Mas queridos cariocas, no final das contas, acho que nós nos “apaulistamos” um pouquinho. Falta dar um choque de ordem na limpeza das areias, pois ela segue como o Angu do Gomes da Praça XV ao meio dia…
Amei o artigo me fez voltar tanto no tempo…. Linha 442 Lins-Urca que saudade!!!!
Bons tempos urcanos.
Gostei muito, principalmente lendo o ponto de vista de um carioca que é paulista e voltou a querer ser da gema. Falta pouco mas acho que voce consegue chegar lá. Bjs
Vou chegar pode deixar!