O salto

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Havia quatro dias que eu me limitava a fazer uma refeição e andar quilômetros a pé por São Paulo, às vezes percorrendo bairros conhecidos, às vezes outros menos familiares. O dinheiro que eu tinha era suficiente para pagar mais três noites no hotel e comer às 15h. Água gelada e açúcar me sustentavam até o dia seguinte. Eu contava a quantia na carteira seguidas vezes, e logo depois, conferia o número de comprimidos de antidepressivos. Era fevereiro, fazia aquele calor de trinta graus e eu sabia que lá pelas 16h haveria mais um temporal de verão. Era preciso estar perto do hotel, protegido, mais ou menos nesse horário. Até nisso os dias se repetiam. A noite tinha várias faces. Havia o descanso do corpo, embora a tensão nunca o abandonasse. Os pensamentos se tornavam mais velozes e trágicos. A noite nunca ajuda. Via qualquer coisa em algum canal de televisão aberta, sentia alguma fome, pensava em como terminar com tudo. A manhã chegava com um banho com aqueles sabonetes que não fazem espuma, típicos de hotel barato. Restos de desodorante. Restos de pasta de dente. A visão no espelho era melancólica. Cabelo comprido. Barba de dez dias. Olhos sempre marejados. Ainda sobravam duas camisas e duas cuecas limpas.

Uma semana antes, ingeri quinze comprimidos do antidepressivo de uma só vez. Quando comecei a me sentir mal, fui tomado por um medo que eu não conhecia e pedi ajuda. Fui para o hospital. Lavagem estomacal. Dois dias em uma enfermaria pública. Depois, fui liberado com recomendações, mas diante do que vi naquele lugar, passei a pensar que meu problema era um nada.

Acreditava que havia dominado aquele aterrorizante medo. Fazia novos planos. Não pensava em ninguém. Não falava com ninguém, a não ser com as filhas. Tinha um cartão telefônico que daria para mais dois dias. Andava e suava naquele verão. Com certeza cheirava a suor, medo e depressão.

Naquele dia, calor forte e nova previsão de temporal. Perdi a noção do tempo dentro da igreja de São Luiz Gonzaga, na avenida Paulista. Procurei um padre para uma conversa, mas seu jeito cansado me fez ir embora numa questão de minutos. Saí e concluí que ainda faltavam duas horas para a refeição do dia.

Tudo se repete.

Dia 22 de fevereiro, data do aniversário da minha mãe. A angústia e a ansiedade atingem o ponto máximo.

Apresento-me voluntariamente na Santa Casa da Misericórdia para uma avaliação psiquiátrica gratuita.

Relatório da enfermagem: ansiedade, confusão aguda, privação de sono e processos de pensamentos alterados.

Relatório do exame mental: consciente, calmo, verbalizando, risco para autolesão e mutilação, risco para suicídio.

Recomendação: INTERNAÇÃO IMEDIATA.

 

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Sem comentários

  • Eduardo disse:

    Parabens e obrigado pela coragem em expor e dividir conosco Mauro! Estamos todos de alguma forma na mesma batalha! Gde abç!

  • Adriana Berg disse:

    Mauro, olá…
    Faço terapia há 9 anos ininterruptos e 15 com intervalos. Não acho que um dia eu vá parar… É importante admitir que se tem um problema e mais importante ainda é procurar ajuda. Muita gente “vive” com muitos problemas por não ter coragem de admitir e muito menos de procurar ajuda. Vc fez isso. E esta é uma parcela saudável fundamental que existe em vc.
    Espero que tudo dê certo, que vc consiga vencer, o mais importante vc já tem! Muito sucesso!

    • maurogiorgi01 disse:

      Muito obrigado Adriana, sei que é um caminho longo, que esse episódio irá comigo para sempre, mas como você disse entendi que precisava de ajuda e não tive vergonha de pedir. O resto é futuro, vamos a ele.
      De novo, muito obrigado!

  • naomeadaptei disse:

    É triste ver o ponto que a vida pode nos levar. Mas é grandioso também ver o tão forte como as pessoas podem se transformar. Você (apesar da sua altura) é grande. Quem te conhece sabe que, apesar dos tombos da vida, você é uma pessoa acima da média, um vencedor. Um vencedor que não fez mal a ninguém, a não ser a você mesmo. Força e perseverança, e nunca esqueça que sempre Ele estará olhando para você, mesmo que você com toda a sua sensibilidade não consiga ver.

  • Oscar Rodriguez Barreneche disse:

    Amigo, que bom que você se recuperou! Já pensou em compartilhar com pessoas que estão tendo problemas similares , como você conseguiu dar a volta e sair por cima? Um abraço!

    • maurogiorgi01 disse:

      Oscar, eu me recuperei da crise, mas o processo de melhora continua, escrever faz parte dele, estou um pouco cansado da terapia. Ajudar as pessoas que estão nesse situação é algo que faço sim, mas é algo delicado pois precisa querer. Abraço e obrigado!

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