Adquiri o gosto pela leitura ainda cedo, graças a meus pais, ávidos leitores, e desde então, nos tempos em que a Entrelivros era a rede de livrarias mais popular da cidade, veio o hábito de passar algumas horas entre as prateleiras cheias, folheando livros, sentindo seu cheiro, embarcando numa viagem muito boa e tranquila. Gosto demais do ambiente, da luz indireta, das vozes mais baixas, de ver crianças sentadas no chão rodeada por livros e do bom café que costumam servir. É um dos raros lugares onde não me queixo do preço da bebida, pois ali é servido bem mais do que um simples expresso ou cappuccino. Quem é da geração de frequentadores da Entrelivros e que costumava ouvir os mais velhos falarem com admiração de livrarias como a Leonardo Da Vinci (prestes a fechar as portas), Freitas Bastos e Ao Livro Técnico, quem cresceu consumindo as edições em formato de bolso da Ediouro sabe o luxo que é poder contar com um punhado de Livrarias da Travessa e até uma Cultura no antigo cinema Vitória, no Centro. É quase como ter vários parques de diversão à sua disposição.
Aquelas revistas que tentam indicar lugares para se paquerar depois de alguma desilusão amorosa costumam apontar as livrarias como um território propício. Como frequentador quinzenal, posso dizer que realmente elas são melhores do que o supermercado, mesmo assim não é tudo isso que se costuma afirmar. É verdade que uma coisa ajuda: como as pessoas folheiam livros, é mais fácil notar de imediato se existe algum indício de compromisso formal, via anéis. Puxa-se assunto com naturalidade. Não raro surgem perguntas sobre os livros que estão sendo examinados, sobre os autores e sua obra. Todo mundo parece um pouco mais simpático. Mas para mim, na verdade, existe a delícia de ver, de perguntar e de aprender alguma coisa nova.
A qualidade do atendimento melhorou muito com o passar dos anos, isso é inegável. Lembro-me de meu pai reclamando há uns quinze anos que os vendedores até indicavam as seções apropriadas, mas não tinham a mínima noção de nada. Hoje, nas principais livrarias, a maioria dos atendentes leu vários livros e tem condições de ajudar o cliente a encontrar exatamente aquilo que procura, desde uma obra de fôlego até um título que lhe servirá de distração na hora de dormir.
Se eu pudesse, faria pessoalmente um agradecimento a esses empresários que acreditaram que existem pessoas dispostas a ler sempre e cada vez mais e que investiram em criar um ambiente aconchegante para recebê-las bem. Diria que em incontáveis ocasiões, sentei-me naquelas poltronas confortáveis, cercado de livros e, de página em página, encontrei um jeito de reduzir a ansiedade, aplacar agonias e sonhar de novo. Depois, com calma, me levantava, guardava os volumes com todo o cuidado e partia para a vida real, renovado por aqueles momentos passados no porto seguro dos livros.
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A Flip começa hoje em Parati, mas não é preciso ir tão longe para encontrar abrigo no mundo da leitura.