O primeiro terno

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Terno II

Eu tinha 23 anos, nos idos de 1982, quando fui efetivado como assistente de analista de investimentos, depois de seis meses de estágio. Assim que fui comunicado de que passaria a frequentar às chamadas reuniões-almoço da Abamec (Associação Brasileira de Analistas do Mercado de Capitais), realizadas no prédio da Associação Comercial, saí com meu pai para comprar meu primeiro terno. Foi na Scotsman. Era cinza escuro. Comprei também camisas sociais brancas e meias pretas. Em seguida, passamos na Clark para comprar um par de sapatos sociais pretos.

Minha chefe era uma das raríssimas mulheres que ocupavam a função de analista de investimentos, o que aumentava em muito minha responsabilidade. De aparência frágil, voz baixa e uma maneira discreta e formal de se vestir, ela era reservada por natureza, o que fazia sentido, pois o mercado financeiro era então dominado por trogloditas. Apesar da pouca diferença de idade entre nós  — ela não devia ter chegado aos trinta anos – dificilmente tinha algo a lhe dizer fora do escritório. Continuava a frequentar a roda masculina nos almoços e nos horários de café.

A primeira reunião-almoço foi da empresa de papel e celulose Suzano, e percebi porque todos os analistas iam com seus asseclas. Enquanto eles almoçavam e escutavam a explanação da diretoria da empresa, nós, reles mortais, anotávamos tudo. Afinal, não havia material disponível para todos e as apresentações eram únicas, feitas com transparências e “retroprojetadas”. Mesmo com fome, só comi a sobremesa, como não podia deixar de ser, morangos com creme. Depois daquela reunião, me senti o mais importante dos membros do mercado financeiro, pois agora conhecia “muito” (vã ilusão) uma empresa e isso me diferenciava do resto.

Eram tempos pré-históricos se comparados aos dias de hoje. Basta dizer que a lei que regulamenta o mercado tinha sido aprovada havia apenas seis anos e todos ainda se adaptavam. A Gazeta Mercantil, jornal especializado, não tinha hora para chegar. Recebíamos apenas um exemplar. Os periódicos paulistas chegavam apenas no final do dia. E para completar, usávamos calculadoras de mesa.

Depois de algumas daquelas reuniões-almoço, fui escalado para acompanhar minha chefe a Belo Horizonte, para uma viagem de dois dias que incluía visitas a três empresas e a participação em uma assembleia da Belgo Mineira. Fiquei empolgadíssimo. Ao mesmo tempo, tive que aguentar todo tipo de brincadeira e gozação envolvendo minha chefe e eu sozinhos em BH.

Minha mãe, orgulhosa como toda mãe, repetia sem parar as lista de gentilezas que eu deveria fazer, enquanto meu pai dava conselhos corporativos válidos até hoje.

Cumpri todos os quesitos de gentileza repetidos exaustivamente pela minha mãe como carregar a mala dela, abrir portas, puxar cadeiras, fazer os check ins do aeroporto e hotel, pegar os taxis, falar com os garçons, motoristas de táxi e demais pessoas do hotel, coisas hoje inimagináveis e que seriam até consideradas machistas.

As visitas às empresas foram ótimas e me deixaram ainda mais empolgado com o que fazia. A assembleia com outros acionistas, conduzida com solenidade, coroou a viagem.

Naqueles dias, minha chefe agia de uma forma diferente daquela habitual no escritório. Foi menos formal e mais próxima, me ajudou a entender como se faziam as entrevistas, e reservou perguntas para eu fazer. Enfim, me fez sentir parte da equipe.

Na volta, fiquei incumbido de preparar um dos relatórios. Fiz e refiz umas cinco vezes, amassando dezenas de folhas de papel almaço. Depois de pronto, o relatório seria entregue à secretária, para ser datilografado.

Três dias após a volta, aturando todas as gozações possíveis e perguntas de todo o tipo, fui chamado à sala do diretor. Quando entrei minha chefe estava lá. Durante dez minutos escutei elogios pessoais e profissionais que me encheram do mais profundo e jovem orgulho. Fui avisado de que dentro de seis meses poderia ser promovido a analista de investimentos, respondendo pelas análises de dois setores.

A partir desse dia, as relações com a chefe ficaram até menos tensas. Chegou a me pedir emprestado o disco do show de Simon & Garfunkel no Central Park, que eu comentara que tinha. Mas imaginem o que tive que escutar dos colegas. Não importa. Devo muito a eles, que me ajudaram e tanto me ensinaram sobre análise de empresas, e a ela também, que um dia confiou em mim. Por mais coisas que tenha feito dentro do mercado sou um analista de empresas. E é isso o que mais gosto.

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Sem comentários

  • Ciro disse:

    Meu primeiro terno foi na Garbo e sapatos na Suturis na São Bento, comecei na Scarano final de 71, fiz muito Calispa ( caixa de Liquidação de São Paulo ) cortei muito Cupom , títulos ao portador, auxiliar de pregão , operador, abcsss

  • Oscar Rodriguez Barreneche disse:

    É verdade… Você começou a fazer Engenharia. OK! Você venceu … Somos quase da mesma idade, e ambos nos mantemos bem jovens! By the way, fico contente por você ter se inclinado pela Economia…

  • Oscar Rodriguez Barreneche disse:

    Isso foi no Rio? Mauro, você é muito mais veterano (idoso) do que eu pensava. Tinha a impressão de que eramos contemporâneos, mas me enganei. Tudo bem; você se mantém bastante jovem…

    • maurogiorgi01 disse:

      Claro que foi! Comecei a fazer estágio em janeiro de 82, estava no 2º ano de economia, não se esqueça que passei para engenharia no 2º semestre, não gostei, fiz outro vestibular e fui para economia. A partir de 83 fui para a noite. Não sou mais veterano que vc, somos da mesma safra, vc sempre negou, mas o tempo é implacável! Abraços!

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