Com o objetivo de garantir a obtenção de superávits primários, já nos primeiros meses deste ano o governo fez duas operações de recebimentos de dividendos do BNDES. Na primeira, em fevereiro, recebeu 60% do lucro do banco, um percentual elevado, pois a instituição retém normalmente cerca de 55% para manter seu fôlego para fazer operações sem precisar captar recursos. A segunda foi em março, quando sacou a Reserva Estatutária do banco. Trata-se de alguma ilegalidade? De forma alguma. Mas estamos falando de uma reserva de segurança, uma garantia de que, diante de qualquer eventualidade, o banco tenha de onde sacar sem precisar apelar ao Tesouro Nacional. Resumo dessa ópera em dois atos: a contabilidade criativa continua a todo o vapor.
Como há receio de mais comprometimento do banco com captações externas, o Tesouro fará novo aporte de trinta bilhões nas próximas semanas. Chegará a quase 256 bilhões o valor dos aportes realizados nos últimos seis anos. Tais operações, que elevam o endividamento bruto do país em relação ao PIB, são alvos de muitas críticas, tanto que o governo só fala do endividamento líquido, que exclui as operações com o BNDES. Mesmo assim, os investimentos não alavancaram o PIB. Há algo de errado? Sim, mas ainda não existe um consenso sobre a solução do problema.
Não se discute a necessidade de se ter um banco de fomento em um país pobre ou emergente.
Não se discute a trajetória de excelência técnica e de apoio e financiamento à economia do país cumprida pelo BNDES.
Todos têm plena consciência de que desde que a moeda foi estabilizada ainda não tivemos períodos efetivamente longos que permitissem de fato que os bancos privados estabelecessem parâmetros para financiar projetos com prazos de retorno acima de quinze anos e taxas baixas para os padrões brasileiros dos últimos trinta anos. Um banco de fomento atua de maneira diferente do resto do sistema, mas quando um país apresenta segurança econômica e jurídica, o setor privado começa a aparecer.
Nos últimos seis anos, porém, testemunhou-se a manipulação de empresas estatais em nome de objetivos de curto prazo e erros até primários cometidos pelas equipes econômicas dos governos Lula (em seu segundo mandato) e Dilma. Esse desgoverno afasta qualquer tipo de intenção que o setor privado pudesse ter em relação à participação em projetos e também coloca o BNDES, muitas vezes, em posição delicada. Há enorme insegurança econômica criada pelas seguidas intervenções do governo — e isto é programático — e há também insegurança jurídica, pois regras novas são introduzidas em meio a investimentos de longuíssimo prazo, também em nome de programas de partido.
O programa de financiamento das empresas chamadas de “campeãs nacionais” foi muito criticado. Alguns setores foram privilegiados e houve direcionamento pouco técnico. O Frigorífico Independência, por exemplo, recebeu 250 milhões de reais de um empréstimo total de 750 milhões apenas sessenta dias antes de pedir concordata. Ora, nenhuma concordata se dá em apenas sessenta dias. Ou seja, das duas uma: ou houve um erro crasso de análise ou então não houve análise nenhuma. Outro exemplo conhecido é do Grupo X, de Eike Batista, que recebeu quase oito bilhões de reais em empréstimos e participações acionárias, com liberações e compras, também seis meses antes de quebrar, quando diversas análises independentes já anunciavam sua derrocada.
Para fazer frente à política de liberação de recursos em larga escala para impulsionar a economia, o Tesouro Nacional fez repasses ao banco com taxas subsidiadas, isto é, captando junto ao público a taxas 3 a 4 pp acima do que era repassado ao BNDES. Essa diferença, além do risco de inadimplência era e é absorvido pelo Tesouro, ou melhor, por todos nós.
O governo com política de exportação de serviços de engenharia colocou o BNDES como financiador das empresas brasileiras a taxas mais baixas para poder ter poder de barganha nas concorrências no mercado internacional. Não se discute a opção estratégica, mas é no mínimo estranha a falta de transparência em todos os parâmetros das operações. Em primeiro lugar, porque se trata de uma empresa estatal com o dever de prestar contas a quem a detém. Em segundo lugar, por também por permitir que se encobrisse mais prejuízos com possíveis calotes e diferenças de taxas.
No curto prazo, não há quem substitua o BNDES. Ótimo. Nesse ponto todos concordam. Mas no longo prazo, as ações estapafúrdias do governo inviabilizaram a entrada do setor privado, perpetuando uma máquina de favores e aparelhando os empréstimos. Para reverter o quadro, seria necessário o mesmo tempo gasto para cria-los: perto de seis anos.
Fica então a minha pergunta:
Por onde anda a área técnica do banco, cuja excelência sempre foi tão propalada?