Analógicos e digitais

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Vintage e Digitais I

À medida que o tempo passa tenho dificuldade em estabelecer linhas divisórias sobre cada período da minha vida em termos de acontecimentos gerais – não me refiro a nada pessoal – como a chegada do computador à minha mesa, das máquinas de calcular programáveis, de carros que deixaram de ser “carroças”, essas coisas. Nesse exercício é importante reconhecer o que de bom e ruim ficou e perceber como me adaptei, em cada etapa, sem achar que foi o pior dos tempos, o melhor, nem cair na tentação de glamourizar as coisas.

Desde a volta ao Rio, aos 54 anos, com muitas reuniões com amigos do colégio, do bairro, da faculdade, as lembranças começaram a ser o ponto central das conversas. Algumas vezes nos pegamos achando graça do que era disponível para nós em todos os sentidos. Entre risadas vimos que existiam mais marcas de cigarro e menos domínio da Coca-Cola e do guaraná.

Nos dias seguintes a essas reuniões várias expressões ficaram rondando meus pensamentos nas minhas caminhadas e percebi o quanto a minha “turma”, a geração dos mid 50s, é importante. Como disse o Raul Seixas (que nós vimos), e que o Lula se apoderou, “somos uma metamorfose ambulante”.

Percebi que nos foi dada a missão de passagem, como disse uma amiga, do analógico para o digital, e daí em diante, todas as transformações passaram pelas nossas mãos: do telefone preto com disco à dispensa do telefone fixo; do celular que tinha tamanho e peso do telefone preto com disco ao aparelhinho que ainda não frita ovo, mas já já vai ter um aplicativo para tal; do disco compacto importado com buraco largo no meio ao Ipod e até a volta do vinil; de cinco canais de TV a a trocentos dependendo da operadora. E eu poderia ficar escrevendo centenas de transformações.

Vintage I

Não falo que essa geração que pertenço inventou nada. O que quero dizer é que se minhas filhas, por exemplo acham normal haver um aparelho de televisão em cada cômodo é porque houve um rito de passagem, um período de transformação, de adaptação para lidar com tudo isso. E lidamos, mesmo tendo convivido com itens que seriam considerados primitivos nos dias de hoje.

Também não sinto uma nostalgia pura e simples, nem costumo dizer “que no meu tempo é que era bom”, mas acho até divertido ter visto coisas que hoje se assemelham ao Jurassic Park, e ao mesmo tempo, suar um pouco, mas conseguir manusear quase todas as novas tecnologias à disposição do consumidor.

Quando os mais novos falam de música, procuro observar. Aliás, aprendi cedo que trata-se de um assunto totalmente subjetivo. Mas constato que aqueles que faziam rock na década de 1980 continuam a vender CDs, DVDs e a fazer shows com bom público. Nem pergunto se não existiria nada mais novo, mas acho muita graça. Um dos maiores exemplos internacionais é Paul McCartney, há 50 anos fazendo sucesso junto a ouvintes de todas as idades sem apresentar nenhuma novidade.

Meus colegas economistas cunharam frases e expressões que se perpetuaram, como chamar os anos 1980 de a “década perdida”. Foi nessa época que nós, os cinquentões, terminávamos a faculdade e começávamos a ralar no mercado de trabalho. Foi difícil? Foi. Mas nada que tivesse me marcado de maneira impressionante.

Ninguém nega a saudade, principalmente porque a tendência, com o passar do tempo, é de esquecer o que foi ruim e machucou, mas me sinto bem como estou, com o que sei, vivendo nos dias de hoje. Entendo que não serei capaz de alcançar determinado domínio, assim como não alcançava antes, e que ainda tenho imensa vontade de aprender, com quem quer que seja, e o que quer que seja. É claro que gostaria de recuperar certas coisas , como as partidas de futebol com os amigos, nas tardes de sábado, a carrocinha do pipoqueiro na porta do cinema, com saco de pipocas meio doce- meio salgada, e álbum de figurinhas, quando a gente jogava bafo. Mas não devemos fechar os olhos para os imensos avanços, e mesclar duas experiências pode ser um privilégio de quem viveu uma era e está vivendo a outra.

Posso dizer que me sinto muito bem do alto de meus 54 anos, não sendo um analfabeto digital, e tentando sempre olhar para frente, sem esquecer o que vivi até hoje.

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