Sempre teve música na minha casa. Nos anos 1960, predominavam as canções italianas e francesas que ouvíamos numa vitrola portátil, grande sucesso daquele momento. Os alto falantes fechavam-se sobre o prato e ela se transformava em uma espécie de maleta cinza e branca. No final da década, quando moramos nos Estados Unidos, era o auge do The Mamas and the Papas, The Supremes e do estouro do inglês Tom Jones. Costumava vê-los pela televisão. Foi mais ou menos nessa época que ouvi meus pais comentarem sobre o fim dos Beatles, que para mim, tinham feito apenas Help, que eu gostava muito.
De volta ao Brasil, durante uma temporada na casa dos avós, já na pré-adolescência, vi meu irmão começar a comprar e a ganhar LPs. Ouvíamos Blood, Sweat and Tears, a trilha sonora da peça Hair e as músicas de Simon e Garfunkel. Passei a ter o hábito de frequentar a Sears, na Praia de Botafogo, para escutar músicas dentro das cabines até sermos expulsos pelo vendedor, em geral umas duas horas depois. Foi mais ou menos nessa fase, com doze ou treze anos, que comecei a escutar as músicas dos Beatles. Nem sei explicar direito porque cargas d’água aquele som passou a fazer parte do que eu era e do que sou.
Comecei a colecionar os discos do grupo e logo descobri que, por alguma razão, as versões nacionais não seguiam a sequência original dos lançamentos no exterior. Obviamente, fui atraído de início pelos primeiros quatro ou cinco LPs do conjunto, a fase mais ingênua, com letras fáceis, ritmo agitado, diferente de tudo que existia. Aos poucos, também passei a gostar das outras fases até eleger Let it Be, o último álbum, como o melhor. Escolha totalmente subjetiva, mas que permanece em vigor até os dias de hoje.
Amigos começaram a fazer caravana para fazer gravações em cassete. Nessa época, já havíamos mudado para o apartamento novo. Como a família inteira gostava de música, junto com meu pai e meu irmão procuramos o que havia de melhor na época para montar o “som” da casa, dentro de nossas possibilidades, é claro: vitrola Garrard com agulhas Shure ora trazida por meu pai de viagens, ora pelo meu tio, comandante da Varig; amplificador Kenwood; gravador de cassete Sony, de duas cabeças, e caixas da Gradiente. Para nós, era um verdadeiro estúdio!
Gravávamos as músicas em fitas Memorex FeCr que chegavam da mesma forma que as agulhas. Devo dizer que ficaram tanto na memória que algumas sequências de música ainda estão na minha cabeça quarenta anos depois.
A coleção de LPs crescia também com os discos-solo deles. John Lennon e George Harrison tiveram sua “fase de ouro” na minha casa, quando escutava as músicas sem parar. Já frequentava a Modern Sound, na Barata Ribeiro quase esquina com Santa Clara, e namorava os famosos discos piratas dos shows em Los Angeles, Nova York e Tóquio, que afinal comprei quando comecei a trabalhar.
Minha adolescência toda foi à base de Beatles, claro sem deixar de acompanhar o que acontecia. Nunca fui um fã ardoroso de Pink Floyd, Jethro Tull e Led Zeppelin como os meus contemporâneos. Durante algum tempo tratei os Rolling Stones, como “os outros” até perceber que era bobagem.
Quando casei e me mudei para São Paulo, doei minha coleção para minha prima que ama música, sabendo que seria bem tratada.
Refiz a coleção em CD já com a ordem correta de lançamentos, assim como os que mais gosto deles em carreira solo. Hoje em dia não há uma noite sequer sem que eu veja e escute algo deles no YouTube. Meu Ipod tem uma sequência de oitenta músicas que escuto quando ando ou corro. A paixão continuou e acabou influenciando o gosto de minhas filhas, que também apreciam e conhecem, claro sem a mesma devoção. Minhas preferidas continuam as mesmas: Let it be, You’ve got to hide your love away e The long and winding road, coisa boa guardada desde a adolescência.
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