Corcundas do celular

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corcundas do metrô IV

Constato o desaparecimento de um personagem muito popular do sistema de transportes públicos: o “fila-jornal”, aquele passageiro (ou passageira) que passava a viagem de pescoço esticado, tentando ler as últimas notícias no jornal do vizinho. Sejamos sinceros: em algum momento todos nós já fizemos esse papel. A extinção do fila-jornal acontece por dois fatores. Em primeiro lugar, houve a proliferação desses tabloides de manchetes garrafais com quatro linhas de texto, distribuídos gratuitamente. Em segundo lugar, percebi que ele foi substituído por outro personagem, que prolifera de forma avassaladora qual epidemia: o “corcunda do celular”. Sentados ou de pé, alheios ao que se passa a sua volta, esses pobres portadores de deficiência física momentânea não interrompem nem por um segundo seu teclar frenético, indiferentes às freadas ou arrancadas dos ônibus, ou nas paradas não programadas do metrô.

Longe de mim ser contra a modernidade e a evolução tecnológica das comunicações, mas julgo esse personagem como sendo um tanto egoísta, pouco afeito a trocar cumprimentos gentis com os demais passageiros, e muitas vezes francamente inconveniente, pois se posta diante das portas de entrada e saída ou exatamente no meio do corredor de passagem, concentrado apenas na interação fervorosa com quem quer que esteja do outro lado da tela. Sinceramente, espero que haja um recrudescimento dessa onda de SMSs, Whatsapps e afins, pois acho que reduz o emprego da palavra falada, dando um passo atrás na evolução humana.

Não vou falar mal dos usos que o celular agora tem, até porque também me aproveito deles. Porém, fico um tanto assustado quando reparo nos grupos de estudantes reunidos nas saídas de escolas ou faculdades, mudos, concentrados em seus aparelhos e conversando entre si apenas ocasionalmente, mostrando suas telas e as respostas de outros amigos. Existe uma verdadeira competição para ver quem ganha mais curtidas nas fotos. Também me escapa da compreensão ver casais sentados em bares e restaurantes sem se olhar ou trocarem palavras, simplesmente vidrados nas suas telas particulares.

Eu me disperso. Voltemos a falar do personagem folclórico que está morrendo. Certa vez, vi um senhor perguntar ao fila-jornal sentado a seu lado se já poderia virar a página. As pessoas em volta sorriram e o próprio agradeceu a gentileza do dono do periódico. Essas pequenas cenas de conversa entre estranhos parecem que estão acabando, o que deixa as cidades grandes mais duras e frias.

Não se trata de saudosismo. Estamos, sem dúvida, muito mais apressados do que há dez anos. Diria também que nos tornamos mais sisudos e irritadiços do que gerações anteriores. Qual seria o próximo passo, o egoísmo e individualismo total? Não gostaria chegássemos a esse ponto, mas como no Brasil fechamos 2013 com 271 milhões de linhas de celulares e a venda de smartphones cresce anualmente, acho que terei que me conformar com o fato de que ninguém mais perguntará as horas a ninguém.

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