Fiu-fiu

0 Flares Twitter 0 Facebook 0 Google+ 0 LinkedIn 0 Email -- 0 Flares ×

Olhar faz mal III

Há muito tempo, lá em 1969, um amigo do meu pai, carioca da gema, pouco afeito aos problemas raciais que ocorriam em Chicago na época, se atreveu a dizer alguma gracinha para uma moça negra. Sua mulher acabou recebendo um telefonema do hospital para onde ele foi levado depois da surra que tomou.

Não sou a favor desse tipo de reação, afinal algumas cidades virariam verdadeiras praças de guerra, mas essa prática de se sentir no direito de falar qualquer coisa para uma mulher que passa pela rua é degradante e baixa. Gostaria de saber se realmente algum motorista ou motoqueiro já teve sucesso em atrair a atenção feminina depois daquela já clássica e desrespeitosa buzinadinha, seja no sinal ou mesmo andando a baixa velocidade.

Em junho desse ano, uma estudante de Direito se enfureceu depois de passar semanas escutando todo o tipo de piada grosseira e de gracejos de um porteiro, enquanto se dirigia pela calçada para a faculdade onde estuda, em Copacabana. Decidiu fazer um protesto em forma de vídeo e postou no YouTube. Recebeu uma avalanche de apoios, mas acreditem: cerca de 15% dos comentários se dirigiam a ela de forma ofensiva. Sabemos que a sociedade brasileira é machista, mas no Rio de Janeiro vangloriamo-nos da nossa “modernidade”, do fato de abrigarmos a diversidade de maneira amistosa. É inadmissível que este ranço permaneça por aqui.

Não falo isso por ter duas filhas. Falo por nunca ter feito esse tipo de abordagem a uma mulher, se é que esse seria mesmo o termo adequado. Falo porque me sinto indignado que uma sociedade que repudia o racismo, a intolerância religiosa ainda considere “engraçado” que se pratique esse tipo de comentário junto a mulheres.

Lá trás, nos anos 1950, 1960, e talvez até 1970, os ditos gracejos, chamados de cantada, ganharam um cunho folclórico. Soam engraçados nos dias de hoje, mas para os costumes da época já eram mal vistos. São expressões do tipo “a nora que mamãe pediu a Deus”, “a enfermeira que preciso lá em casa” ou outras menos votadas, impregnadas de preconceitos, para não falar da exposição da mulher ao famoso assovio de “fiu-fiu”

A questão não é ser politicamente correto, coisa que costumo achar uma chatice. Trata-se de uma questão de respeito, e isso não tem época, lugar ou ocasião. É saber conviver como uma sociedade e isso não tem absolutamente nenhuma correlação com patrimônio ou tempo de estudo.

Certa vez, no ônibus, ouvi um senhor dizer para uma moça que ela deveria se dar ao respeito e não usar saias curtas. Tudo porque ela reclamara de um passageiro que insistia em ficar se roçando atrás dela. Esse é o típico raciocínio do machista: o rapaz tem razão em importunar e assediar sexualmente a mulher, pois ela está de saia curta. Lembro-me daquela pesquisa realizada pelo IPEA (Instituto de Pesquisas Economia Aplicada) que inicialmente apontou um resultado semelhante e que depois foi desmentida e alterada. Inicialmente, ela dizia que 65% achavam que a roupa justificava a violência contra a mulher. Sete dias depois, a pesquisa foi modificada, após causar um sem número de protestos e campanhas nas redes sociais. Será que houve erro mesmo na divulgação da pesquisa ou foi melhor consertar? Não importa: o estrago foi feito.

A sociedade é machista mesmo. Só muita educação mudará esse comportamento que começa com aquela ridícula olhada para a bunda da mulher que passou pelo “inocente” homem.

0 Flares Twitter 0 Facebook 0 Google+ 0 LinkedIn 0 Email -- 0 Flares ×

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *