Scoooott!!!!

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Scoot

Há 45 anos aconteceu o primeiro pouso do homem na lua. Sei que até hoje existe muita gente que não acredita no ocorrido, com polêmicas sobre a imagem que mostra a bandeira americana balançando. Quem é mais velho não se esquece da ocasião. Naquele dia 20 de julho de 1969 eu morava nos Estados Unidos com meus pais. Nos três meses que antecederam o lançamento, lembro que os professores na escola não paravam de enfatizar o feito histórico. Até tomar consciência real do que era aquilo, achei tudo muito exagerado. Era distante demais da minha realidade de garoto de dez anos, morador da Urca, transplantado para outro país e empenhado em estudar as missões espaciais americanas.

Alguns dias antes do lançamento, um vizinho nosso, cujo filho era da turma do meu irmão no colégio dele, nos convidou a assistir a descida do homem na Lua na casa deles. Meu pai entendeu que aquilo era algo importante para os americanos. Claro que nos sentimos honrados e aceitamos o convite.

Evanston, onde fica a Northwestern University, tinha na época pouco mais de 50 mil habitantes, uma cidade totalmente universitária, com costumes bem americanos do meio-oeste. A casa do Scott, amigo do meu irmão, era grande, com dois andares e um amplo jardim. Ele tinha mais dois irmãos menores, que não regulavam em idade comigo. Mas o que me chamava mais a atenção era o pai dele, um psiquiatra, com uma careca reluzente, dessas que estão em voga hoje. Na época, porém, ele me lembrava mais o Tio Funério da Família Adams, aquele personagem que acendia uma lâmpada na boca. Além disso, ele vestia um macacão mostarda que mais parecia roupa de hospício.

Não éramos os únicos convidados. Outros vizinhos estavam por lá, e era servido um barbecue de hambúrguer tipicamente americano. Havia pessoas de paletó e gravata a falar sério sobre o evento, enquanto nós corríamos no jardim, jogando um genérico de futebol americano chamado touch onde o jogo parava se alguém encostasse em quem estava com a bola oval.

Diante da casa, como existe até hoje em várias por lá, havia o mastro com a bandeira americana hasteada, e naquele dia mais do que nunca muitos a reverenciavam.

Fomos chamados para começar a ver o espetáculo pela TV, mas o som da transmissão era muitas vezes abafado pela quantidade de pessoas falando na sala, e às vezes pelos berros do psiquiatra com seus filhos que se engalfinhavam na frente de todos:

– SCOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOTTTTTTTT!

No primeiro berro, quase mordi a língua em vez do hambúrguer. Fez-se um silêncio na sala, os vizinhos se assustaram tanto quanto eu. A briga foi interrompida por alguns minutos até recomeçar. E de novo:

– SCOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOTTTTTTTT!

A TV era maior que a da minha casa, o que ajudava a acompanhar melhor tudo que acontecia, mas a famosa frase do astronauta Neil Armstrong, eu só soube no colégio no dia seguinte, era impossível escutar algo naquela loucura.

Para mim, naquela idade, psiquiatra era algo assustador, afinal tratava com “malucos”. Jamais imaginei que se tornassem iguais a eles!

Na nossa família esse foi um dia marcante: fomos convidados para um evento totalmente americano, meu pai foi tratado com deferência e houve uma aceitação geral da comunidade para com estrangeiros de um lugar que ninguém sabia exatamente onde era.

Mas durante anos, a cada vez que meu irmão e eu ensaiávamos uma discussão, minha mãe ou meu pai falavam mais alto:

– SCOOOOOOOOOOOOOOOOOOTTTTTTTTTTTT

E todos caiam na gargalhada.

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