A vida é oceano

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Desde que me mudei para o Posto 6, há alguns meses, passei a observar com mais atenção os surfistas. Eles chegam à praia a qualquer hora, dia ou noite, cumprimentam todo mundo: parecem ser amigos de todos. O que me fascina, porém, é a paciência, a perseverança, algo que talvez possa até ser chamado de serenidade na forma com que se dirigem ao mar para esperar as ondas. Quem mora no litoral sabe muito bem que as ondas não têm um ritmo previsível. Não avisam quando vêm. Por vezes, nem aparecem. Em outras ocasiões chegam em bandos. Não importa se a espera foi longa ou se tiveram apenas alguns minutos para aproveitar as oportunidades. Não importa se conseguiram fazer manobras perfeitas ou se foram derrubados. Vejo que costumam deixar a água com um sorriso enorme, que é para eles mesmos e para o mar.

Contemplo os surfistas e penso no que eles podem ensinar sobre recomeços. Na sua capacidade infinita de enfrentar a violência do mar ou a calmaria, de encarar seus erros e seus acertos, levantar e repetir seus desafios. Tenho 56 anos. Como qualquer pessoa com a minha idade, já vivi tempo o bastante para ser chacoalhado pela vida, fazer o movimento errado, perder o reequilíbrio e ser lançado no fundo. Como qualquer pessoa com a minha idade, já fui obrigado a me reinventar diversas vezes. A mudança para o Posto 6 faz parte de mais uma reinvenção. Uma tentativa de enfrentar velhos erros, criar um caminho sem repeti-los, enfrentá-los.

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O mar nunca é o mesmo. É sempre novo, aprendo com os surfistas, mas o novo assusta. Nasci e me criei na Urca, um pequenino e isolado bairro do Rio. Sentia que ali era meu ninho. Voltei para o Rio depois de 28 anos em São Paulo e foi um recomeço. Mas foi apenas o começo de um caminho cheio de tropeços e algumas boas surpresas. Reconstruí relações com um pequeno grupo de velhos amigos que se tornou minha rede de salvação. Descobri como é bom ouvir alguém dizer: “vou te dar uma sugestão”. E também como é bom ter com quem trocar experiências e falar sobre as alegrias e os sobressaltos do dia a dia. Vamos combinar: a vida não anda fácil para ninguém.

Caminho pelo Posto 6. Passei a trocar ideias com Carlos Drummond de Andrade sentado no banco na calçada e até com Tom Jobim, de costas para o Arpoador. Além dos surfistas, nesses passeios também observo uma grande quantidade de idosos muito ativos, muitos acompanhados por seus amigos de quatro patas também de idade avançada. Não sei o que passa pela cabeça de cada pessoa, o que as move, o que as perturba, mas acredito que essa turma que costumo ver sob o sol tímido da manhã deseja aproveitar o dia. E retornam diariamente.

E recomeçamos todos os dias. Quando enfrentamos uma onda, exploramos um novo itinerário com o cachorro ou preenchemos mais um formulário em busca de emprego. Quando decidimos que aos 50 e poucos anos não é tarde demais para andar de patins, nem para escrever o primeiro soneto ou se emocionar quando o sol se põe no mar no verão. Quando enfrentamos uma página em branco sem saber a mínima ideia do que escrever, expomos pensamentos um tanto confusos, abrimos o coração ou fechamos sua porta. Quando refazemos os mesmos passos, repetimos, sabendo que a estrada, como o mar, nunca é a mesma. Recomeçamos.

Recomeçamos todos os dias em que desistimos de desistir.

 

 

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