Paixão por gatos

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É fácil compreender a natureza do afeto que pode ser cultivado entre o homem e seu cão. Muito já foi dito sobre o companheirismo, a lealdade, o amor incondicional que o animal é capaz de manifestar de forma clara e inconfundível. Existe também uma grande inteligência, uma capacidade de aprender, de brincar e até de pressentir o perigo. Seu estado de espírito pode ser percebido com facilidade, traduzido em latidos, rosnados, abraços, lambidas e travessuras. Ele se entrega. Ele confia. Ele perdoa sempre. Um amigo canino pode ser uma festa ambulante e até contribuir para a socialização de seu humano arredio — não é para menos que uma das cantadas mais toscas do mundo é “qual é o telefone do cachorrinho?”. É sabido que a companhia de um cão é benéfica para a saúde física e mental, pois para atender suas demandas é preciso adotar horários e rotina. Acordar cedo, passear. E não sou eu quem diz isso e sim o oncologista David B. Agus, que cuidou de gente como Steve Jobs e Ted Kennedy, num livro chamado Um guia rápido para uma vida longa (Ed. Intrínseca).  Sim, existem muitos e bons motivos para se amar os cães. Muito mais inexplicável é a paixão por gatos.
Trata-se, basicamente de uma paixão platônica. Um gato não festeja ostensivamente quando você volta para casa. É capaz de passar horas cuidando da sua vida e só reaparecer roçando nas suas pernas ao sentir cheiro de comida. Ele não atende pelo nome. Não vem quando é chamado. Em geral, vem exatamente quando você está concentradíssimo no computador no meio de um trabalho. Nessa situação, a criatura não vê o menor problema em se colocar bem na frente do monitor e passear pelo teclado. Da mesma forma que escolhe o melhor lugar do sofá da sala para chamar de seu. Tive um gato que tomou posse da cadeira na cabeceira da mesa de jantar e que nunca aceitou pacificamente que eu ocupasse aquele lugar, como atestavam minhas canelas. Gatos não têm consideração. Parecem esperar adoração — pelo menos os egípcios, que sabiam das coisas, cultuavam uma divindade felina.
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Há quem tenha medo dos felinos por sua imprevisibilidade, pelos modos sorrateiros. Me fascina sua capacidade de olhar fixamente para um ponto perdido no espaço, absolutamente imóveis, como se assistissem a um filme que passa apenas dentro de suas cabeças. Me encanta que abandonem essa mesma imobilidade de repente e disparem para o outro lado do cômodo como se perseguissem alguma ameaça invisível. Como pouco mudam de expressão, é difícil adivinhar de primeira seu estado de espírito. Isso exige atenção. Com o tempo, sinto que se desenvolve uma espécie de sexto sentido, uma sensibilidade quase telepática para movimentos sutis, como o rabo levantado que expressa satisfação, a concentração que antecede o bote, pequenas mudanças de comportamento que deixam a gente com a pulga atrás da orelha, prestes a procurar o veterinário.
Não sou especialista, nem muito boa com animais em geral – bípedes ou quadrúpedes. Não tive bichos de estimação quando criança.  O primeiro gato só chegou na minha casa depois que tive três filhos, meio a contragosto.  Perdê-lo foi devastador. Todos nós sentíamos um imenso vazio quando não o encontrávamos pela casa, nem entretido na janela (onde chegou a caçar uma rolinha). E, sim, era esse gato que me mordia todas as vezes que eu sentava na cabeceira da mesa de jantar.
Arrisco dizer que se os cães são capazes de brindar seus humanos com a manifestação concreta do que é um amor incondicional, talvez os gatos permitam que seus humanos exercitem um tipo de amor que não espera retribuição imediata, que persevera mesmo sem ser correspondido na mesma moeda, que espera paciente por um mero ronronar e com isso se regojiza. Não sei bem explicar a paixão por gatos, mas creio que ela me torna uma pessoa melhor. (Por Livia de Almeida)
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