Narcos e a lenda de Pablo Escobar

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Por Pablo Amaral Rebello*

Muito tempo atrás, me contaram uma lenda acerca da conquista espanhola do império Inca. Me foi dito que quando Pizarro invadiu Cuzco, no Peru, e colocou o imperador e sua corte a seus pés, ele também recebeu uma maldição de um poderoso xamã. Esse homem apontou para as montanhas e disse que enquanto as folhas da planta que ali cresciam forneceriam força e coragem para o seu povo, elas causariam ruína e destruição para os estrangeiros. A planta a que o xamã se referiu recebeu o nome de Erythroxilum coca, e dela veio a se extrair a matéria prima para a produção da cocaína.
Esses dias, uma outra lenda muito diferente sobre o mesmo assunto chegou até os meus ouvidos. Um amigo me contou que, de cada dez notas de dólares, nove apresentam traços de cocaína. Ele defendeu a história alegando que existem levantamentos estatísticos que comprovam esse fato curioso e deveras preocupante. Particularmente, acredito que tal informação possa ter sido fabricada como parte da campanha de divulgação do seriado Narcos, disponível no Netflix. Ou pode ser verdade. Ao menos, me parece algo perfeitamente plausível. E, se for esse o caso, isso só prova mais uma vez que a realidade pode ser muito mais estranha do que a ficção.
O que nos traz até a figura mítica de Pablo Escobar. Desde que me conheço por gente, escuto falar sobre o famoso traficante colombiano. Meu nome também é Pablo e tanto amigos quanto desafetos acostumaram-se a me chamar de Escobar, seja para me provocar ou para brincar comigo. Eu tinha 12 ou 13 anos quando ele morreu e nunca soube realmente dos detalhes de sua vida. E admito que fiquei curioso quando o diretor José Padilha revelou que faria uma série com Wagner Moura no papel do controverso personagem. Levantou meu interesse? Um pouco, mas, sinceramente? Minhas expectativas não eram das mais altas, não.
No entanto, me aconcheguei no sofá um domingo à noite e resolvi conferir o resultado da empreitada. Assisti os dois primeiros episódios. Admito que, de início, fiquei incomodado com a rápida passagem do tempo e com a narração em off do agente do DEA Steve Murphy, interpretado por Boyd Holbrook, responsável pela caça aos traficantes latino-americanos. Também não saquei que o grande trunfo da produção seriam as cenas intercaladas com notícias e vídeos de época, jogando realidade e ficção dentro do mesmo liquidificador para mostrar que os aspectos mais delirantes da história realmente aconteceram. E aterrorizaram uma nação. Além disso, nenhum dos personagens me cativou a princípio. Terminei aquela primeira sessão desconfiando que Narcos não seria essa Coca-Cola toda que os anúncios diziam.
Aos leitores preocupados com spoilers, peço que não esquentem a cabeça. Não darei nenhum por aqui. Digo apenas que mudei de opinião a partir do terceiro episódio. Ali, compreendi a visão do diretor ao invocar aspectos do realismo mágico logo no início do seriado. E percebi a força que a história ganhava quando se concentrava no personagem de Pablo Escobar. Dali em diante, os episódios correram diante dos meus olhos como os carregamentos milionários de cocaína que seguiam praticamente desimpedidos para Miami. A escalada da violência segue um padrão vertiginoso e intricado, onde ninguém está seguro e a morte ronda a cada esquina. E, com um último episódio claustrofóbico e absolutamente impecável, os produtores conseguiram criar um interesse genuíno pela segunda temporada.
É importante ressaltar que Narcos se destaca pelo conjunto da obra, apresentando uma narrativa que não deixa nada a dever aos clássicos do gênero, a quem muitas vezes presta homenagens. Padilha nunca escondeu sua admiração pelo trabalho de Martin Scorsese, e isso fica claro ao longo do seriado. Por sua vez, Wagner Moura dá vida para Pablo Escobar, com uma atuação segura e ponderada, digna de prêmio. A presença de tela do ator é marcante e ameaçadora, como o papel exige que seja, e segue fielmente os passos de um dos facínoras mais poderosos e assustadores da América Latina do século XX.
Pablo Escobar alcançou em vida o status de lenda moderna, atraindo adoração das camadas mais pobres da sociedade e o temor de políticos, juízes e das classes mais altas. Sua imagem não chegou a ser tão difundida quanto a de outros ícones modernos (como Che Guevara, por exemplo), sobretudo por seu papel infame na história da Colômbia. Ainda assim, sua figura continua a inspirar e assombrar tanto o seu país de origem quanto o restante do mundo, como o seriado faz questão de enfatizar. A lenda do traficante colombiano continua a crescer do mesmo modo que a disseminação da cocaína e a guerra ao narcotráfico aumentam o número de vítimas por toda América a cada ano que passa.
Talvez a maldição daquele xamã inca não fosse tão leviana no fim das contas…

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Pablo Amaral Rebello escreve de tudo um pouco e de um pouco um tudo. Autor do e-book Deserto dos desejos (disponível para venda aqui: http://goo.gl/oNUw9E) e de contos publicados nas coletâneas Dragões (Ed. Draco) e Contos da Confraria (Ed. Bookmakers). Como jornalista, trabalhou para O Globo, Correio Braziliense e Hoje em Dia.

 

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