Por Mauro Giorgi e Livia de Almeida
A mitologia grega conta a história de Sísifo, um sujeito esperto, que aproveitou uma indiscrição de Zeus para obter uma fonte para sua cidade, Corinto. Como os deuses não costumam perdoar, ele foi condenado pela eternidade a empurrar uma enorme pedra até o topo de uma montanha apenas para vê-la descer a encosta e repetir a tarefa incessantemente. O que podemos aprender com Sísifo é que como o dia segue a noite, como as estações se sucedem e se repetem, a vida exige recomeços. Diria que é um processo natural, quase obrigatório. Acordamos diferentes a cada manhã. Saímos da cama com a chance de repetir os mesmos gestos de ontem ou arriscar o novo, sabendo de todos os perrengues inerentes ao antigo. Recomeçar não é opção, é necessidade.
Mudar é que é o problema.
Mudar de casa. Mudar de emprego. Mudar de status de relacionamento no Facebook. Mudar de escola. Mudar de cidade. Mudar de país. Mudar de ponto de vista. Mudar de hábitos. Morremos de medo. Resistimos. Vacilamos.
Recomeçar a empurrar nossas pedras ladeira acima é inevitável, mesmo que aos trancos e barrancos. Mudar é um território bem mais acidentado do livre-arbítrio, do desejo de fazer melhor, de ser melhor, de enfrentar aquilo que nos fez fracassar ou desistir, mesmo que seja apenas alterar nossas definições de fracasso e sucesso. Não vamos enganar ninguém. É uma tarefa tão solitária como a do grego e seu rochedo. Não adianta tentar dividir o ônus com os vizinhos, com a família, com os amigos, com os amados. Não dá para delegar funções quando a barra pesa, nem culpar ninguém, pois o processo é pessoal e intransferível, sem garantias de êxito.
Se mudar já é difícil, o que dizer de se reinventar? A reinvenção virou um clichê na boca dos conselheiros de plantão, sempre cheios de boas intenções. Perdeu o emprego? Precisa se reinventar. Levou um pé na bunda? Precisa se reinventar e se transformar em um novo homem/mulher. Como num passe de mágica.
A reinvenção existe, é claro. Todo mundo conhece histórias de sucesso de gente que conseguiu virar o jogo da vida no segundo tempo e dar uma guinada profissional, pessoal ou sentimental. Não se trata de uma mera decisão, de um capricho, de um desejo. A palavra-chave talvez seja reconstrução. Falamos de um processo interno e externo, sujeito a circunstâncias felizes e infelizes, nem todas sob nosso controle. Falamos de um processo que por vezes deixa vítimas e terra arrasada também.
O escritor Albert Camus escreveu um maravilhoso ensaio sobre o Mito de Sísifo, que recomendo vivamente. Nele, o autor imagina dias em que a descida da montanha é triste, dias da vitória do rochedo, principalmente no início do tormento. Com o tempo, Sísifo teria se tornado consciente do absurdo de sua condição e haveria mesmo espaço para a alegria ao final de sua missão sem sentido e sem fim. O recomeço é mesmo inevitável, mas para Camus é possível imaginar Sísifo feliz.