Caçula de família italiana pouco faz em casa. Dá uma ajuda aqui ou ali, mas nada de muito pesado. Aos domingos, eu carregava as compras da feira para minha mãe ou empurrava o carrinho. Na cozinha, enquanto conversava com ela, observava seu jeito de preparar a carne: nada de bater o bife e sempre um toque de pimenta malagueta. A massa era al dente sempre, e de novo, com um pouco de pimenta na pasta en bianco. O frango era assado como na padaria, com sua própria gordura. Pessoalmente, eu me sentia mais atraído pela hora de comer do que com os detalhes do processo.
Numa curta temporada em que morei sozinho em Santos e que trabalhei em São Paulo, eu, procurava fazer as refeições na rua antes de voltar para casa. Mal sabia a cor dos ladrilhos da cozinha do apartamento. Foi depois de casar que comecei a me ocupar de algumas tarefas. Mesmo assim, nunca passava muito tempo com as panelas, a não ser na hora de lavá-las. Afinal saía mais barato encarar o detergente do que bancar a manicure da esposa em tempos de inflação de Sarney&Cia.
Aos poucos, fui me aventurando a fazer pequenas coisas, como um bife com algum molho diferente (com base no sangue da carne e um pouco de manteiga com ervas finas), e mal passado (sempre). Fui ensinando à minha mulher que massa é para ser feita com manteiga (muita), como no norte da Itália, e não com óleo, como no sul. Depois, passei a preparar sanduíches para as minhas filhas. Aos poucos, a cozinha perdeu sua condição de cômodo menos frequentado da casa. Mas foi somente depois de me separar que fui obrigado a me virar. Já era um craque no supermercado, mas ainda precisava aprender a comprar carne e peixes frescos. Até agora, só dominei os segredos do açougue.
Quando fazia o almoço para minhas filhas, elas sempre pediam massa, porque vinha sempre com muito queijo. E uma das receitas favoritas delas era à carbonara, com pancetta, ovo, e uma pitada de alho. Mas eu tinha dificuldades para imaginar os complementos, além de montar saladas incrementadas com lascas grandes de parmeggiano. Rolava algum estresse, pois tinha que agradar as duas e eu ainda pensava na quantidade de panelas a lavar. E cá entre nós, as guarnições com massa devem ser poucas e servidas em pequena quantidade. Às vezes eu servia também pequenos cubos de filet-mignon com shimeji, ou bolinhos de arroz com queijo para comer com as saladas.
Achei que aprenderia receitas e dicas se eu fizesse uma busca na internet. Mas depois de três minutos, cheguei à conclusão de que o que valia mesmo era fazer experiências, tal qual o Professor Aloprado, do Jerry Lewis. Encontrei alguns aliados: uma boa manteiga, para deixar a comida italiana um pouco mais “molhada”; azeite de qualidade, para dar uma liga gostosa; limão (de todos os tipos), para perfumar; alguns tipos de cogumelos, que funcionam como um complemento bonito, sem desviar a atenção do prato principal; a mostarda (de preferência, as mais escuras) e o alho, temperos que jamais podem faltar.
Um dos pratos mais pedidos pelas minhas filhas é o penne na manteiga com filet-mignon alto ao molho de foie-gras e shiitake. Parece chique e complicado, mas na verdade é supertranquilo. Até eu consigo fazer. Mas é preciso prestar atenção em alguns detalhes: o foie-gras vai junto com a manteiga na frigideira bem quente. Os bifes vêm depois e não devem ficar muito tempo no fogo. Como o shiitake solta muita água, é melhor prepará-los na chapa, sozinhos. Cozinhar para as meninas é uma delícia. Elas ficam sempre por perto, fazendo perguntas, brincando, e me dando abraços e beijos.
Acredito que quando um homem está disposto a conquistar uma mulher ele tem sempre de cozinhar para ela. É uma forma de demonstrar afeto e respeito e de apresentar suas qualidades. Elas valorizam esse mimo. Mas é claro que se você não sabe fazer um ovo frito, é melhor confessar e nem tentar. Mesmo os habilidosos devem prestar atenção a alguns detalhes. Na primeira vez em que cozinhei para uma moça, tive que mergulhar a mão no gelo e esfregar muito limão para que rolasse alguma coisa depois. Porque com cheiro de alho, nem com amor demais! E para manter a conquista, procure cozinhar junto com sua parceira. Acreditem: é uma delícia. E, é claro, às vezes, durante os preparativos, a refeição acaba se atrasando.
Para mim, a graça de cozinhar está em fazer alguma coisa de especial para alguém que aprecia o gesto, que está feliz e entende que o que está sendo posto à mesa não é um simples alimento. É um alimento que vem temperado com muito sentimento.
Uma vez, fiz uns sanduíches para uma namorada numa quinta-feira à noite, quando resolvemos não sair: mortadela com pistache, queijo brie e pastrame, pão ciabatta e mostardas. Lá pelas tantas, ela falou:
— Mesmo que o sanduba estivesse ruim, o que não é o caso, teria um outro gosto porque é feito por alguém que gosta da gente.
E foi assim que ganhei o primeiro beijo de mostarda escura apimentada da vida. E foi… delicioso.
Dica de cozinha:
Para um molho de tomate rápido para o espaguete de todo o dia, bata dois dentes de alho com três colheres de azeite, uma generosa pitada de sal, meia colher de café de pimenta malagueta e uma xícara de café com água filtrada. Junte uma lata de pomodori pelati e bata tudo durante três ou quatro minutos. Pode usar aos poucos. Jamais esqueçam que a massa deve ser servida al dente.
Cérebro
Com água na boca e o sabor da boa leitura no cerébro. Mais gorda e mais feliz. Um abraço afetuoso.
A receita é boa , garanto. Obrigado!
Bacana. Parabéns. Vc ta cada vez melhor. Tem uma literatura talentosa vindo por aí
Mais uma vez, obrigado!