Regula Benedicti

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Aluno_do_São_Bento_III

Apesar da minha boa memória, não guardo lembrança do dia em que meus pais anunciaram que eu passaria a estudar no colégio São Bento, no centro do Rio. O que me recordo perfeitamente é de ter sido retirado, de súbito, da minha zona de conforto. Naqueles tempos, eu estudava no turno da tarde. Em vez de desfrutar das manhãs livres, passei a ter aulas particulares de matemática e português com a dona Elisa para me preparar para a prova e entrar no colégio “grande”, como diziam na família, e só de homens. Fiz o exame, passei, assim como meu irmão, e entrei no antigo terceiro ano primário, dos alunos mais jovens do colégio, e ele foi para o antigo quinto ano.

Por sermos os menores, nosso recreio era separado, o que minimizou ou adiou alguns impactos. Como bicho-novo, porém, eu estava sujeito a algumas provações: além de tomar cuidado para não ser jogado dentro do bebedouro, várias vezes fui passado para trás, na fila da cantina. Coisas normais em um época em que isso não era chamado de bullying . A condição de aluno semi-interno era uma imensa novidade, assim como usar o transporte do colégio.  Mas o mais marcante foi ter simultaneamente diversos professores e lidar com o humor de cada um deles, como também dos inspetores e do chefe de disciplina. Além de um mundo novo, era um mundo muito grande para mim! Caçulinha e sanduíche de queijo no recreio da parte da manhã era uma rotina, mas nunca sem o espanto de ver o Irmão Lino, que era responsável pelo “bar”, brincando com a dentadura…

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Tinha dois professores que eram padres, o de religião, é óbvio, D. Marcos, e o de história, D. Jerônimo. Imensa novidade. Precisei me acostumar com a ideia de que só podia ir ao banheiro na hora permitida e tentar não olhar fixamente para o Chefe de disciplina, “seu” Aristóteles, que tinha cacoetes de quem com certeza morderia a própria orelha ou viraria completamente o pescoço! Acordar muito cedo, estudar de manhã no colégio, comer no colégio e só voltar para casa às seis da tarde! Muitas mudanças, mesmo para quem tinha apenas oito anos de idade. Apesar de uma certa frieza inicial, o colégio aconchegava a todos. Impossível esquecer do pão-doce ao final do dia antes de pegar o ônibus.

É impossível comparar o São Bento daqueles tempos com os colégios de hoje em dia. O que passávamos com um sorriso no rosto hoje seria o suficiente para que chamassem o Conselho Tutelar, Ministério Público e Ministério da Educação. Tapas, cascudos, e apelidos dados pelos professores ou inspetores eram rotina. Não me vanglorio, nem reclamo. Eram as regras do jogo. Jogávamos bem e saímos bem também. Quando a figura amiga do Vice-Reitor D. Romualdo aparecia no pátio de recreio era uma corrida para falar com ele, sempre afável. Por outro lado o Reitor, D. Lourenço, figura influente nos meios de educação já nos anos 1960, impunha muito respeito. Até o futebol com bola de meia era interrompido para sua passagem pelo pátio.

O almoço era um capítulo a parte. Antes de aparecer a culinária japonesa no Brasil, o São Bento inovava com um arroz que saía frio e em bloco das travessas. O feijão preto, colocado à mesa às 9h30 para almoço às 11h, formava uma camada espessa na tigela que só o inspetor que sentava à cabeceira de cada mesa conseguia “furar”. A grande pergunta diária era qual seria a sobremesa. A cada quinze ou vinte dias havia a surpresa dos picolés, invariavelmente de limão ou abacaxi. Mas devo dizer que não emagreci!

O impressionante é que em pouco tempo, não sei bem exatamente quanto, eu já estava moldado tal qual um beneditino. Nunca mais acordei tarde, me acostumei à disciplina mais forte, e para espanto da família, comia de tudo (menos cebola) e muito rápido, hábito que minha médica tenta tirar agora, em vão.

Percebo em duas contribuições a marca e a importância dos seis anos que passei por lá para o resto da minha vida. Realmente tenho uma fé religiosa e a preservo. Além disso, fiz amigos que permanecem os mesmos até hoje, como pude constatar depois de voltar ao Rio. Juntos sentimos imensa gratidão pelo tempo em que convivemos no passado.

A cada reunião com os amigos de quarenta anos atrás, algumas das mesmas histórias são relembradas e sempre nos fazem rir. Em outras ocasiões senhores de meia-idade se chamam por apelidos que não condizem com cabelos brancos, grisalhos ou ausentes e excesso de barriga. Sempre respondemos, e nesses momentos acreditamos piamente que não temos mais do que catorze anos.

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