Nas asas da bagunça

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Aeroporto SD II

“ Pai, meu voo sai de Congonhas às 18h40, me busca no aeroporto?”

“ Claro, filha! Boa viagem!”

Foi a primeira troca de mensagens naquela sexta-feira, fim de tarde, véspera dos feriados de Natal.

Pensei na logística necessária e como gosto de chegar cedo, estava eu no Santos Dumont às 18h50, ou seja com quase uma hora de antecedência em relação ao horário de chegada.

“Pai, voo atrasado!”

“OK! Boa viagem!”

Entrei pelo atual setor de desembarque, que antigamente compunha todo o aeroporto. Pela enésima vez não tinha ar condicionado. Viam-se em alguns lugares imensos ventiladores que desarrumavam os cabelos dos passantes. Olhei o painel e vi que o voo da minha filha permanecia sem alterações. Aquilo e notícias da semana anterior eram a mesma coisa.

Fui em direção à área de embarque para ver como estava e dar uma olhadas nas novas lojas e locais de alimentação. Com o ar funcionando, com menos gente que no desembarque, tudo parecia transcorrer normalmente. Subi a escada rolante e vi algumas lojas.

Os olhos passaram de relance pelos preços e me veio a primeira dúvida. Por que penalizar tanto quem se esqueceu de comprar um presente cobrando tão caro?

Fui para o local onde havia mesas para pedir algo para comer e beber. Antes mesmo de fazer o pedido no caixa, já fui avisado:

— O refrigerante está quente e só tem dois tipos de salgado.

Pedi desculpas pelo incômodo.

— Por favor, um café.

— São R$ 3,50

Preço alto comparado com o centro da cidade, mas nada que me chamasse a atenção. O que realmente me intrigava era imaginar como, em véspera de feriado, deixaram o refrigerante quente e ficaram sem salgados. Mas como aquele estabelecimento, bastante sujo, é o único no embarque, eles podem tudo!

“Pai estou embarcando!”

“OK! Boa viagem!”

Se dependesse de mim, ela viajaria nos braços dos anjos da guarda.

Resolvi fazer hora no desembarque.

Aeroporto SD I

Sei que aeroporto não é mais lugar de lazer. Não há mais aquela excursão familiar para levar ou buscar parentes, mas é sacanagem não haver nenhum lugar para sentar e esperar!

Apoiei-me no mesmo local onde ficam as pessoas com cartazes esperando passageiros e fui observando a porta abrir e fechar.

Alguns recém-chegados, ao abrir a porta pensam que estão no palco, estufam o peito, sorriem para o além e entram no salão. Ninguém os espera, mas fazem o tipo. Por outro lado, fico com olhos marejados ao ver a correria das crianças em direção aos avós. É lindo demais.

Nesse meio tempo, reparei num cidadão encarregado da segurança. Pesava perto de 100 quilos, e media pouco mais de 1,70 m. Digamos que, aparentemente, não tinha o tipo físico ideal, mas… ele ficava no saguão, tomando conta da porta, e se alguém se dispusesse a fazer um atentado terrorista e a entrar na área de recebimento de bagagens, lá estaria ele ágil e pronto! Qualquer um que ultrapassasse a linha amarela para pedir informação, não podia voltar. Ele era implacável. E ainda com ar empolado, de quem servira previamente na Academia Brasileira de Letras, ele repetia:

– O Senhor (ou senhora) está lendo o cartaz: “Expressamente Proibido Entrar na Sala de Desembarque”.

– Mas vim pedir uma informação ao senhor, e pus só um pé para fora. O que acontece com minha bagagem?

– Dirija-se a Infraero na segunda porta à esquerda.

Pensei comigo: existem pessoas que não podem deter nenhum tipo de autoridade. Para não me meter numa discussão que não era minha, saí para andar e tentar tomar outro café.

Na cafeteria, vi a tabela de preços:

Café Simples: R$1,25

Café Expresso: R$ 1,80

Cappuccino: R$ 8,25

Lata de Cerveja: R$ 6,75

Misto Quente: R$ 4,00

Não acreditei no que lia. Fiquei imaginando que brilhante pessoa acharia que um cappuccino vale mais do que um sanduiche e se alguém teria coragem de beber uma lata de cerveja por esse preço, se até na praia é mais barato! Ia pensar “imagina na Copa”, mas me contive.

Voltei ao portão e vi um cidadão aos berros, explicando que iria perder a conexão por ter ultrapassado a linha amarela. O rotundo segurança, impassível, apontava a placa e indicava a Infraero.

“Pai, pousei!”

Fiquei aliviado com a notícia. Dentro de alguns minutos poderia abraçá-la, e seria poupado de assistir a mais cenas daquelas com o segurança.

Antes porém, resolvi passar no banheiro. Ao entrar, fui transportado para o século XVII, com esgoto a céu aberto. Desisti. Vi dois funcionários ocupados em discutir o prêmio acumulado da Mega Sena, e dessa vez não aguentei:

— Imagina na Copa!

Voltei ao saguão e vi uma das duas coisas mais maravilhosas do mundo. Minha filha vinha em minha direção sorrindo e se preparando para o abraço. Agora só faltava chegar a segunda coisa maravilhosa!

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4 comentários

  • Oscar Rodriguez Barreneche disse:

    Mauro, está feia a coisa no Santos Dumont. Já estive em quase todos os grandes aeroportos da Amèrica Latina, e não me lembro ter vivido algo similar no mesmo día. Nem mesmo no aeroporto El Alto, a 4,000 m de altura, em La Paz. E olha que o Santos Dumont está cheio de empresários e executivos viajando entre Rio e SP …

    • maurogiorgi01 disse:

      Oscar, estou muito próximo de uma constatação ruim. Somos assim, bagunceiros, indisciplinados, folgados e carentes. Se tiver um governo qualquer que garanta mal e porcamente algo, a grande maioria fica feliz e se adapta ao resto. A minoria ficará cada vez mais minoria, se é que existe isso. Ou como diriam Chico e Tom “a gente vai levando…”

  • Anna Maria Barroso disse:

    Adorei !!!

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