A grande maioria dos corredores de rua de São Paulo em algum momento teve como meta participar de uma Corrida de São Silvestre. Não fugi à regra. Os atrativos são vários, a começar pela tradição – em 2013, foi disputada a 89ª edição da prova. Outro aspecto interessante é o percurso de 15 quilômetros, mais do que os 10k de quase todas as provas, e menos que uma meia-maratona. E há também o desafio do trajeto, que começa no MASP e termina com uma forte subida na avenida Brigadeiro Luís Antonio, garantia de um final de ano de perder o fôlego.
Por diversas razões não estava bem preparado para a prova quando participei dela em 2007. Esperava completar o percurso em uma hora e meia; terminei em uma hora e cinquenta e cinco minutos. Mas além das condições físicas menos que perfeitas, houve também uma bela contribuição fornecida pelos percalços na organização da corrida. Um descaso que não costuma ser exibido pela televisão.
A fama e a tradição amealham um número muito grande de inscritos e outro tanto de penetras, isto é, pessoas que correm sem pagar a taxa de inscrição. Não vou discutir aqui a educação do brasileiro, mas a falta dela é observada em tudo. A “esperteza” de correr sem pagar é apenas mais uma das suas manifestações.
Para começar, há um ritual macabro chamado de “batismo da São Silvestre”. Aqueles que gostam de largar lá na frente e ter uma chance de aparecer mais na televisão “aliviam” sua hidratação em garrafas de água, colocadas no chão em seguida. Como é impossível distinguir o que se pisa ou se chuta nos primeiros quilômetro, o corredor se molha e molha os outros ao se defrontar com o tal líquido alheio.
Os educados e os civilizados acreditam nos mapas distribuídos na ocasião da entrega do kit de corrida e procuram os banheiros químicos ao longo do percurso. Foi o que fiz. Não encontrei nenhum. Resultado: precisei fazer uma parada em um bar na Avenida São João. Perdi alguns minutos. Vários, na verdade, pois havia uma fila.
O horário da prova, à tarde, era muito ruim, pois o café da manhã e o almoço deviam ser leves e assim você acaba se alimentando basicamente de gel de proteína, isotônicos e água. É aí que a presença dos penetras causa maior transtorno. A organização não nega água a ninguém — negar seria desumano porque, por tradição, no dia da prova costuma fazer um calor senegalesco. Aqueles que vêm no pelotão dos pobres mortais corredores de rua de nível médio tomam água quente e nunca conseguem pegar os isotônicos.
A imensa festa que faz a Globo com os palhaços que participam fantasiados atrapalha aqueles que querem correr. Essas pessoas cruzam a sua frente para fazer a sua performance quando avistam cinegrafistas, repórteres ou fotógrafos. Isso é muito chato. Lugar de palhaço é no circo!
Uma corrida de rua é uma competição individual realizada de forma coletiva. Os corredores procuram cumprir suas metas sempre ajudando quem está perto. Mas voltemos à educação do populacho. No último dia do ano, perto das cinco da tarde, muitos já ultrapassaram o que poderia ser considerado um nível aceitável no consumo de álcool. A eles, juntam-se todos os que se acham humoristas e comediantes amadores. Claro, sem nenhuma graça. A TV Globo afirma que são espectadores que demonstram seu apoio aos corredores. Digo que 10% estão lá para dar apoio, o restante diz coisas como “corre que tem outro em casa com tua mãe (ou mulher)”; “para de correr, idiota, o queniano já ganhou”; “ tá cansado? Falta muito ainda!”, e outras gracinhas com palavrões. Como corredor de rua, tenho vergonha dos estrangeiros que estão acostumados a receber incentivos da população e percebem que estão sendo sacaneados. Algumas coisas se modificaram, como o horário e a tranquilidade na chegada, que antes competia com a festa da virada do ano na Avenida Paulista.
Nem tudo é desgraça. É imensa a emoção de terminar a prova na avenida Paulista, depois de subir quase dois quilômetros pela avenida Brigadeiro Luís Antônio. Mesmo assim, continuo acreditando que todo mundo deve participar uma vez da Corrida de São Silvestre, para ver como é. E depois, nunca mais!
Mauro
Quase me inscrevi na prova, já imaginava alguns problemas, mas lendo seu post vi que realmente deve ser muito complicado!
Adorei seu ponto de vista!
Abraço
Vanessa
http://www.nossodiariodetreino.wordpress.com
Vanessa minha crítica sobre a prova é pelo fato de ser aberta, isto é qq um corre e os “trouxas” pagam. Mas sou favorável a mais provas dessa distância. As de 10km estão muito cheias, e as de 21km exigem um treino a mais. No Brasil, pelo clima deveria ter menos maratonas e mais provas entre 13km e 17 km.
Obrigado
Mauro,
Existem situações de passagem de ano que as pessoas se permitem experimentar. Uma delas, certamente, é esse autêntico programa de índio (com todo respespeito aos silvícolas)…
Eu, este ano experimentei assistir à queima de fogos na Praia do Forte -Cabo Frio.
Neste quesito, posso afirmar do alto de meus 60 reveillons, que já passei pelas mais cobiçadas “roubadinhas camaradas” de todos os tempos. A saber: Praia da Urca, no meio da macumba; penetrando na Casa da Vaca; acampado em Saquarema; duro no Iate; nas areias de Copacabana (umas duas vêzes); no gelo de Times Square, NYC; no bairro da Liberdade, em S.Paulo; em casa de namorada (poucas vêzes), mas nunca numa S.Silvestre.
Decididamente, deve ser essa merda mesmo que você tão bem descreveu!
Feliz Ano Novo e continuemos postando nossas indignações para serem curtidas mutuamente e por nossos leitores.
Aquele abraço Victor Hugo
É verdade que a vida nos entrega ou “prega” várias dessas “roubadinhas camaradas”, e vamos aprendendo. Bom ano para você também!