Um bom professor de qualquer matéria básica do curso de Economia ensina a seus alunos que não há indicador absoluto nas contas de um país.
Na última sexta-feira, conforme o esperado, o Brasil anunciou déficit recorde em suas transações correntes. Mais uma vez, nenhum número ficou dentro das previsões do governo. Cheguei a mencionar o resultado das contas externas do país em 17 de novembro, no texto Dom de iludir, usando de extrema cautela, pois cada número deve ser analisado de maneira consistente e coerente.
Falar do déficit é fácil. Foi de 81,4 bilhões de dólares, correspondendo a 3,66% do PIB de 2012. Alguns otimistas diriam que é financiável, que as nossas reservas são elevadíssimas e constituem colchão mais do que suficiente para solavancos desse tipo. No entanto, os realistas tentariam olhar com atenção os números mais importantes. Como me enquadro nessa categoria, vamos lá.
O número mais importante do Balanço de Pagamentos é o Saldo Comercial. Nesse quesito, se eu fosse um pouco mais otimista do que realista, poderia dizer que o Brasil está em terreno movediço. Fechou o ano de 2013 com saldo positivo de 2,5 bilhões, em função de operações contábeis que já foram descritas pelo blog (em Tudo em Gotas 7), e abriu o ano com déficit de 2,05 bilhões nos primeiros dias de janeiro. Na nossa pauta de exportações, as commodities, principal item, continuam com cotações abaixo dos anos de 2012 e 2011 em função da recuperação do dólar. Logo teremos que olhar as importações, mas não vejo redução de consumo de combustível, não vejo reajuste de preço de gasolina e óleo diesel, e a Petrobras abre o ano com problemas em algumas refinarias. Logo a produção nacional desses produtos cairá e continuará a pressionar o saldo comercial. Resumo: algo muito parecido com 2013. Porém, os valores de importação poderão ser menores, pois não há o acumulo contábil do ano passado. O resultado final pode ser algo próximo a US$ 6,5 bilhões positivo. Isso ajuda, mas não resolve nada.
É importante também olhar o Investimento Externo Direto (IED), que normalmente financia o resultado negativo do Balanço de Pagamentos, mas que em 2013 não conseguiu. Abro parêntese: o governo declarou que estava positivamente surpreso pois esperava investimentos de 63 bilhões de dólares no ano e eles chegaram a 64 bilhões em 2013. Para mim, a declaração só pode se tratar de uma brincadeira, quase uma piada de mau gosto.
Nesse número de investimentos chama a atenção um crescimento na compra de títulos brasileiros, aproveitando a alta nos juros, e uma maior compra de ações, aproveitando a baixa do preço. Tanto uma operação quanto a outra não são consideradas de “boa” qualidade, pois a decisão de venda pode ser tomada a qualquer momento. São investimentos de “ocasião” e não de “decisão”. O segundo ponto que chama a atenção é que houve um crescimento dos empréstimos entre companhias, isto é, a taxa de juros aqui subiu, obtiveram-se recursos fora. São empréstimos de dois a três anos. Logo eles sairão. Também não podem ser apontados como de qualidade superior. Finalmente, no cômputo geral houve queda do IED. Historicamente, anos eleitorais não são fortes em entrada de recursos.
De maneira realista, o que projeto para 2014 é um déficit semelhante ao do ano passado, o que ainda seria “tranquilo”, dada a nossa posição de reservas cambiais e a expectativa de política monetária. Mas ao considerar-se a possibilidade dos Estados Unidos continuarem a reduzir os incentivos, os problemas enfrentados por nossos vizinhos (que causam algum estresse de curto prazo) e a manutenção da saída de dólares do país no mesmo ritmo observado no segundo semestre de 2013, a cotação da moeda pode ser uma dor de cabeça a mais. Daquelas que o próprio governo criou para si quando caminhou rumo à perda de credibilidade ao longo de 2012 e 2013. As contas externas serão mais uma herança complicada para o próximo governo, seja lá quem for eleito.