Dinheiro, café e adrenalina

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Mesa de Operações I

Assisti recentemente ao filme O lobo de Wall Street, mais uma parceria muito boa de Martin Scorcese e Leonardo Di Caprio. Em que pesem as diferenças que sempre existiram entre os mercados americano e brasileiro e alguns exageros, do alto da minha experiência de trinta anos no mercado financeiro, considero bastante fiel a reprodução do comportamento daqueles que trabalharam nesse segmento, especialmente nos idos dos anos 1980 e 1990.

Até hoje, o coração de uma instituição financeira fica nas salas de operações onde corretores, operadores, gestores se movimentam. É ali que os negócios são efetivamente realizados, onde acontecem decisões em nome de milhares de pessoas, envolvendo milhões de qualquer unidade monetária que se fale.

No passado, essas salas eram normalmente um ambiente envidraçado com três ou quatro mesas, dependendo das dimensões. Ali se negociava de tudo: câmbio presente e futuro, títulos públicos e privados, ações e seus derivativos. Tudo feito aos gritos e por mais incrível que pareça, todo mundo se entendia e sabia o que se passava nos demais mercados, sempre movido à base de café, muito café. Chega a ser engraçado lembrar as primeiras mesas de operação em que trabalhei: eram dezenas de telefones de teclas, pessoas enroscadas em fios e um único computador na ponta de cada mesa, em geral um Scopus ou Cobra, coisas da era paleozoica. Em 1996, precisei ter dois meses de aula particular para aprender a mexer em um computador e em um telefone todo digital, equipamentos moderníssimos então, para trabalhar na mesa de operações de um banco.

Aquilo parecia uma fábrica de fazer malucos, mas acreditem, todos se entendiam, se escutavam e se faziam escutar. A confiança no parceiro de negócios era fundamental, mesmo que sequer se falassem fora dali. Lá dentro, naqueles tempos, ao fechar uma operação, o que valia era a palavra. Papel, só três dias depois.

Em um ambiente desses, carregado de muita adrenalina, estão em vigor algumas regras e códigos peculiares:

As decisões são imediatas, pois a estratégia foi previamente traçada e as possibilidades quantificadas.

Não há espaço para melindres.

Não há tempo para se pedir desculpas por algum erro. Tudo acontece tão rápido que não é possível se sentir culpado ou prejudicado. (Essa regra pode até ser quebrada no final do dia, mas é preciso de muita memória para se lembrar do erro).

Lá, o tempo não conserta nada. Normalmente, agrava.

O jogo precisa ser franco, aberto, revelando a real situação, porque a decisão acertada só pode ser tomada com parâmetros claros e objetivos.

***

Inside a BP trading room

Trabalhei em seis mesas, de 1992 a 2007 e em todas o clima era o mesmo, apesar das diferenças de idade e de formação. No início, paletó e gravata eram obrigatórios – era o código da época. Aos poucos, o rigor foi relaxado às sextas-feiras com trajes mais informais.

Apesar da velocidade das comunicações dos dias de hoje – inimaginável no passado – o estresse permanece. Mas a “loucura organizada” foi substituída por pessoas que mal se falam e fazem seus negócios mundo afora por intermédio de máquinas. Há mais precisão e transparência, menos erros e um imenso controle. Ficou melhor para os clientes, para as instituições financeiras e para as autoridades fiscalizadoras. Para mim, restou algum saudosismo do tempo em que, com dois ou três telefones na mão, ao se fechar um negócio que parecia impossível, sentia-se a vibração de um gol no último minuto do jogo final do campeonato.

Éramos todos um pouco mais loucos que a maioria.

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