Amor verdadeiro

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Astor IV

Ela não imaginava o quanto ele a amava.

Chefe confiante, sorridente, bem-humorada, com muitos amigos e uma ambição um pouco acima da medida, ela gostava do trabalho dele. Por sua vez, ele era seco, direto, não deixava transparecer seus sentimentos, às vezes duro nas palavras e econômico nos gestos. No escritório, era o mais cobiçado pelas mulheres.

Os dois chegavam cedo e comportavam-se de forma extremamente educada tanto entre si, como também com os demais funcionários. Partilhavam do gosto pelo café forte e com pouco açúcar, a qualquer hora do dia. Ela tomava em copo de plástico, dois de preferência, porque sempre queria muito quente. Ele, em seu único vestígio de descontração, tomava numa caneca decorada com um Mickey Mouse. Preferia que a bebida esfriasse um pouco.

Ela, uma economista em ascensão, sempre buscava a opinião dele, mais velho, que já apanhara um pouco da vida e que não tinha vaidades ou intenções de maiores responsabilidades. Costumava defender seus pontos-de-vista sempre com frases cortantes.

Ele a achou atraente desde o dia que fora contratada diretamente para a chefia, em substituição a um amigo seu que resolveu dar aula em universidade para ter um horário melhor e cuidar da esposa doente. Suas primeiras conversas não foram boas. Ela queria que ele sorrisse, achasse a vida mais bonita. Conversa de quem quer se passar por “chefe simpático”. Mas se entrosaram no trabalho e muitas foram as vezes em que ficaram até tarde juntos, obviamente gerando comentários dos demais.

Ele queria mais do que conversas sobre planilhas e relatórios. Ela queria mais acertos ainda, levando as vezes a equipe à exaustão, fato que ele costumava chamar atenção, sem encontrar qualquer eco.

Ela defendia todos e reivindicava bônus cada vez maiores. Na verdade, àquela altura, o que os colegas queriam era mais férias, mais tempo livre, menos ele que não teria nada a fazer nelas. Fora casado uma vez, enviuvara. Não tinha filhos. Havia tido alguns outros relacionamentos, mas naquele momento se ocupava exclusivamente em agradar seu vira-latas amarelo, adotado havia três anos por insistência de seu único grande amigo, uma amizade de infância.

Ela também já fora casada, mas como se dizia, seu ex-marido não aguentou sua vontade de viver e trabalhar. Os subordinados a chamavam de “Malévola” ou “Cruela Cruel”, e tinham inveja do ex-marido que tinha conseguido abandoná-la.

Num sábado que tinha acabado de correr com Astor, seu celular tocou. Ele atendeu a ligação e se assustou com o que ouviu:

— Preciso de você agora no escritório. Fiz uma besteira. O cliente pode perder muito dinheiro e principalmente o renome, e consequentemente estaremos liquidados em termos de credibilidade.

Prometeu que em meia hora estaria lá.

Ao chegar, encontrou-a com os pés sobre a mesa, uma cara tranquila, como se o aguardasse sem preocupações.

— O que de tão grave aconteceu?

— Nada. Queria te ver e não sabia como…

— Não há problema com cliente algum?

— Não… Só a minha vontade e o mau jeito de tentar te ver…

— Mais um erro. Você me toma como somente um empregado. Sinto muito o seu mau jeito com as pessoas. Bom final de semana.

— Espera… Me dá uma chance de conversar. Não tenho amigos, só interessados…

— De novo sinto muito, eu amo você mais do que muita coisa, menos do que eu mesmo.

— Você o quê? Me dá uma chance, eu não sabia…

— Sem saber você manipula. Sabendo então…

Virou as costas com um gosto amargo na boca, a cabeça latejando, suando frio, mas decidido: não voltaria mais a trabalhar ali. Ela terminara com mais uma chance sua de reviver.

Procuraria outro pouso, mas antes tiraria férias com Astor. Eles tinham um pelo outro respeito e amor incondicional.

 

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