O pânico nosso de cada dia

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Por Mauro Giorgi

O ano olímpico trouxe, como sempre, histórias de superação, de determinação e força de vontade para os noticiários. Mirella Coutinho, musa da seleção de pólo aquático que conquistou o bronze no Pan de Toronto, nadou com coragem contra a tal corrente pra frente no final do ano passado. Veio a público numa reportagem ao site de notícias UOL para explicar sua decisão de abandonar o esporte de elite aos 21 anos, depois de oito anos de intensa dedicação e muita pressão. Amava o esporte e por ele abriu mão de uma vida normal de adolescente. Descobriu que aquele amor, como tantos outros, também é capaz de sufocar. A rotina de treinos, viagens e exames era extenuante; as crises de choro antes e depois dos jogos não tinham relação com vitórias ou derrotas. Tinha medo de ficar sozinha e faltava-lhe ânimo para pegar o carro e ir para as sessões de treinamento. Só conseguia viajar sob efeito de sedativos e quando acordava, vinha o choro. Diagnosticada com Síndrome de Pânico, Mirella tomou uma decisão difícil. Optou por levar uma vida “normal”, explorar outras possibilidades como seu amor à fotografia e ficar junto de sua família.

Você não está sozinha, Mirella. Com certeza, haverá quem te condene por ter recuado às vésperas dos Jogos Olímpicos e priorizado seu bem-estar e sua saúde mental. Mas a Organização Mundial da Saúde estima que 4% da população mundial sofre da Síndrome de Pânico, sendo que a maioria dos casos ocorre entre mulheres. Traduzindo os números: são milhões de pessoas em todo o mundo. Gente anônima, como eu, que se isola, que tenta evitar situações que podem deflagrar uma crise, escravos de ansiolíticos, viciados em silêncio e seguros apenas em sua própria companhia. E os famosos também não estão imunes.

Talvez o que seja realmente espantoso é o fato de que, para muita gente, esse mal pareça quase “uma frescura”, um fricote. Ouvimos tanto como é importante deixar a chamada zona de conforto e exercitar a audácia, a ousadia em nome de grandiosos objetivos. Ouvimos tanto que acabamos esquecendo onde ela fica e a vida passa a ser uma tortuosa caminhada em terreno minado, pisando em ovos. Quanto aos tais objetivos, com o passar do tempo, podemos chegar à conclusão de que não são tão grandiosos assim, de que não correspondem àquilo que havíamos imaginado.

Você não está sozinha Mirella. Você faz parte de uma lista imensa de celebridades de todos os setores. Está ao lado do escritor Isaac Asimov, da cantora Adele, do ator Johnny Depp, da diva Barbra Streisand. Talvez a história mais conhecida e emblemática seja a da cantora e compositora Carly Simon, que fez sucesso com canções como “You’re so vain” e “Nobody does it better” nos anos 1970. Em 1981, durante um show em Pittsburgh, a cantora foi acometida de uma crise de pânico e escolheu contar para o público o que estava sentindo. Recebeu apoio e incentivo, mas conseguiu apresentar somente mais duas canções. Ficou anos longe dos palcos e anos sem conseguir compor um verso sequer. “Nunca quis fazer shows; desde jovem eu sonhava em ser apenas uma escritora ou compositora”, disse ela ao New York Times em 1987. Naquele ano, depois de muito tratamento, Carly Simon reapareceu emplacando o hit “Coming around again” (em tradução livre, algo como “dando a volta por cima”. Escolheu se apresentar ao ar livre, para um público reduzido, no cais de Martha’s Vineyard, uma cidadezinha na Nova Inglaterra frequentada pela elite. Foi inesquecível.

Veja só, Mirella, você não está sozinha. E digo mais: você me representa.

(Aqui embaixo você encontra o vídeo de Carly em Martha’s Vineyard; acho que ela nunca pareceu tão bonita.)

 

 

 

 

 

 

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5 comentários

  • gladys disse:

    tenho desde que tive meu filho todos os dias e uma luta contra o medo e a ansiedade me sinto cada dia mais restrita .tenho medo de voar barco de mar elevador etc.cada dia evito muitos lugares com medo que possa ter uma crise .não consigo ir mais ao salão pintar o cabelo pois me sinto presa e com isso vou deixando muitas coisas que sempre fiz de lado
    tento fazer as terapias porém os remédios não consigo tomar pois vem o medo de ficar dotada. a luta e cada minuto do dia. hoje vou meu se pudesse realizar um desejo seria ter uma vida normal

  • Suzanete Prestes disse:

    T enho 62 e tive meu primeiro ataque aos 17 anos, tempo em que ninguém sabia o q era isso, ficou como “histeria”, e assim, vivi quase toda a minha vida, só saia p trabalhar e mesmo assim, tinha crises pelo caminho, até que um dia lá pelos 37 anos, um cardiologista me receitou um betabloqueador,lembro até hj do nome Inderal, e foi como tirar com a mão. As crises de ansiedade diminuíram consideravelmente e fiquei mais confiante. Vale ressaltar,que fiz anos de terapia, tomei antidepressivos, calmantes, etc que só me fizeram mais mal do que bem A terapia aliviava um pouco, pois, podia falar sobre isso. E aprender a respirar tb me ajudou muito. Hoje tomo Atenolol.Abs

  • Regina disse:

    É muito triste. Tenho desde a adolecencia. Hoje tenho 54 anos. Vivo bem por causa de medicamentos. Se não fosse eles, nunca teria enfrentado viagens de avião por exemplo. Ainda sonho em viagens no exterior ,onde não consegui me aventurar. Mas, acredito que um dia talvez consiga. Enquanto houver vida , vai sempre existir esperança. E assim , segurando nas mãos de Deus, vou caminhando.

  • Camila WANI disse:

    Tenho desde a infância ao longo da vida só fui escondendo até q sofri quarto acidentes de carros onde vir a tentar depois dos mesmos suicídio. É difícil vc Aceitar q é doente e sim eu tomo medicações que serao pra vida toda.

    Sempre falo não entenda apenas respeita não é falta de fé.

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