Aos pés do Corcovado

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Por Mauro Giorgi

 

Manuel Bandeira morou por aqui. E Cecília Meireles, Alceu de Amoroso Lima, Austregésilo de Athayde. O empresário Roberto Marinho ocupava uma mansão com um jardim cheio de flamingos cor-de-rosa e mantinha ali uma coleção de arte de deixar marmanjo de queixo caído, com algumas das mais belas marinas pintadas por Pancetti. Falando em arte, Candido Portinari morou na chamada Casa Vertical. Mas o mais famoso morador do bairro foi sem dúvida Machado de Assis. Sua residência foi abaixo para dar lugar a um prédio, mas lembranças de Dom Casmurro desfilam diante do Solar dos Abacaxis e de tudo de bucólico que sobrevive no bairro. Nasci sob a sombra do Pão de Açúcar, passei meses no Centro do Mundo, ou melhor, no Posto 6, em Copacabana, e agora, mais perto do céu, convivo com a vizinhança do Bruxo do Cosme Velho, a uns 400 metros da estação do bondinho para o Corcovado.

Do meu quarto, tenho a impressão de que estou numa cidade do interior. Há um vento gostoso, canto de pássaros, ladrar de cães com os carteiros. Quando tudo para, ouço o barulho do silêncio. Fazia tempo que eu não ouvia. É muito bom lembrar que a cidade praiana também tem seus morros e ladeiras que testam nosso fôlego. Na tranquilidade do meu quarto, recebo ocasionalmente visitas da gata Shiva. À essa altura, ela já caminha sobre o teclado do meu computador sem a menor cerimônia.

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Nos tempos de Maria Graham, no início do século XIX.

Engarrafamento do século XXI.

Ainda estou começando a explorar as pequenas ruas residenciais. Movimento mesmo só encontro na rua principal, a rua do Cosme Velho, um prolongamento da rua das Laranjeiras. À primeira vista, me pareceu que ninguém era do bairro. Vi turistas, vans, polícia e alguma confusão no trânsito. “Onde é que eles se escondem?”, perguntei a mim mesmo. De um modo geral há pouca gente na rua passeando. Apenas pessoas correndo atrás dos ônibus, pegando táxis. Durante a semana, o trânsito fica um pouco moroso nos horários de entrada e saída dos colégios São Vicente de Paulo e Sion, mas nada que assuste alguém que morou em São Paulo. Costuma haver mais estresse com as vans de turistas do que com as vans de alunos.

Dia desses, enquanto fazia o reconhecimento da região, fui parar no Largo do Boticário, um pedacinho do Rio Antigo escondido no bairro. São sete casas construídas na primeira metade do século XX em estilo neocolonial, usando material de demolição de antigos e históricos sobrados. É um dos pouquíssimos lugares onde se vê o rio Carioca correr a céu aberto. A parte triste é que o rio está poluído e os casarões coloridos estão num deplorável estado de abandono, com marquises se desfazendo. Um projeto de flexibilização do uso das construções – que hoje em dia são exclusivamente residenciais – mofa na Prefeitura há mais de dois anos. Em outra caminhada, esbarrei com a Bica da Rainha, na altura do número 381 do Cosme Velho, uma fonte de águas ferruginosas que teria sido frequentada pela rainha Carlota Joaquina, acompanhada da sogra, Dona Maria, a Louca. É claro que a arquitetura foi alterada com a passagem do tempo e hoje ela se encontra cercada de gradis, inacessível.

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Supermercado Imperial

Prossegui na minha busca pelos locais com pouco sucesso. Até que descobri o Supermercado Imperial, com uma panificadora e confeitaria. Confesso que não resisti a um brownie que saía quentinho do forno. Reparei que outros gulosos esperavam pela chegada de doces e salgados. Voilà. Eis que identifiquei pela primeira vez um ponto de encontro dos moradores do bairro. Logo encontrei outro, bem na minha cara, e com uma ligação muito especial com minha história. É a igreja de São Judas Tadeu, frequentada pelos locais nas missas de domingo e que, em outubro, se transforma em centro de peregrinação para devotos da cidade inteira. Estamos no mês de festa do santo das causas impossíveis! Meu avô paterno tinha uma marmoraria e forneceu material para a construção da igreja. São Judas Tadeu se tornou o protetor da nossa família (mas São Bento sabe muito bem que eu jamais o abandonarei, pois no meu coração há lugar para os dois).

Assim, encontro novos e antigos elos com o bairro onde agora resido, sob a guarda de São Judas Tadeu, aos pés do Cristo Redentor. Só me resta, humildemente, pedir a eles suas bênçãos.

 

 

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