Cada um no seu passo

RI Rio de Janeiro (RJ). Chuva no Rio de Janeiro. Aterro e Avenida Pasteur. Foto Custodio Coimbra
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Caminhando e Pensando II

Quando caminho ou corro pela orla da cidade, deixo a mente viajar mais rápido que meus passos. Intrigo-me com o que passa pela cabeça de todas aquelas pessoas que me ultrapassam ou que cruzam em sentido contrário. Queria ser capaz de descobrir mais sobre cada uma, mais do que seus pensamentos sobre tempos, dores, arrependimentos, calor e sede, como se um dia eu pudesse enxergar aqueles balõezinhos de pensamento tão usados nas histórias em quadrinho e assistir a uma espécie de Big Brother em movimento.

Durante o exercício, além de controlar o tempo, sou capaz de criar histórias com diálogos e finais inesperados. Será que sou o único? Será que a maioria dos passantes está absolutamente concentrada nas demandas da atividade física?

Observo.

A mim interessam aqueles que parecem estar tão solitários quanto eu, os corajosos de verdade, que saem de casa por algum motivo, determinados a cumprir uma tarefa por obrigação ou prazer. Aquele senhor de cabeça branca e passadas firmes. O que acontecerá quando ele chegar em casa? Terá uma companheira? Vai simplesmente descansar? Ou, quem sabe, encontrará com os netos para um almoço? Vejo a jovem de viseira, óculos escuros e muito creme no rosto, mal saída da adolescência. Será comprometida? Corre para esquecer uma desilusão? Uma decepção recente no trabalho? Talvez esteja treinando para alguma prova no Aterro do Flamengo.

Um rapaz forte, de bom físico, passadas largas, passa por mim como um Emil Zatopek, batendo duro com o tênis na pista. O que ele busca? Será que chegará ao fim com o mesmo fôlego e força ou gasta toda essa energia para esconder as frustrações de adolescente franzino com aparelho nos dentes? A mulher de meia-idade, de bermudas, rosto protegido por um chapéu de abas largas, usa luvas para evitar as manchas de sol enquanto caminha. Impossível saber se ela tem uma aliança escondida. Será solteira ou casada? Se for casada, ainda recebe atenção do marido? E os filhos, já crescidos, ainda a procuram? Teria amigas com quem se divertir e contar suas mágoas?

De repente, zum! Um intruso, um skatista trintão, tatuado, canta alto a música que escuta. Parece estar preocupado apenas em ver a pista em disparada, ao som do rock que vaza de seus fones de ouvido. Como será dentro de alguns anos? Um astro do grafite, da poesia, da música experimental? Ou apenas um pai que ensinará ao filho a arte de rolar pelo asfalto na prancha com rodinhas.

Uma grávida segue com passos curtos e meio desengonçados, protege a barriga e olha o horizonte. Acho que é fácil imaginar o que passa por sua cabeça. Não pensa no futuro de quem vai gerar. Pensa em como será sua vida depois que tudo acontecer.

E lá vem alguém que parece meu contemporâneo, passadas curtas, uns poucos quilos a mais, aliança no dedo, fones nos ouvidos, semblante calmo. Parece feliz. Por que acho isso? Não o conheço. Pode ser que tenha sofrido perdas difíceis de aceitar e que esteja sozinho, que use a aliança para mentir para si próprio. Estará satisfeito com seu trabalho? Ou será que não lhe dão mais atenção por causa da idade, por ser considerado velho? Talvez ele se esforce, tente participar, mas ninguém queira saber de suas opiniões embora, secretamente, ele acerte todas as previsões. Ri por dentro, mas sabe que riem dele. Por que mantém então esse meio sorriso? A quem ele pensa que engana? Ah, esses tipos aí costumam carregar histórias muito difíceis de imaginar.

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4 comentários

  • Clariice Stas disse:

    Ainda bem que não sou doida… Pois nas minhas caminhadas fico imaginando o que se pasnos pensamentos das pessoas que encontro… Fico imaginando se realizaram seus sonhos…quais ainda querem realizar…enfim me identifiquei muito com o texto…Parabéns!!!

  • Lucina disse:

    Fico feliz em saber que não sou a única que para e obseva o mundo ao seu redor. Em meio a tantas pessoas apressadas com propósitos diários que tem que serem feitos de qualquer forma até o fim do dia, fico alegre em ser observadora, calma e ter meu tempo para as coisas exatamente no MEU TEMPO, independente de ter que terminar tão coisa no dia esperado. Se não der para fazer? Ótimo, eu faço amanhã porque prefiro ter um tempo para parar e viver no meu mundo do que correr e viver no mundo que querem que eu tenha.

  • Esses pequenos momentos caminhando ou correndo são apenas nossos. E são momentos valiosos, em um mundo cada vez mais conectado. Para mim, hora de caminhar é sagrada.

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