Miss Guanabara

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baía

Eu sei que você diz para o mundo inteiro ouvir como eu sou linda e exuberante e reconheço sem modéstia nenhuma que tenho um imenso poder de sedução, apesar do nosso relacionamento já ser antigo. Cá entre nós, como era de se esperar, passou a fase do romance, aquele tempo em que você comprava qualquer briga se um malandro qualquer me olhasse com cobiça. Lembra aquele episódio com o francês? E eu juro, até hoje, de pés juntos, que não tive culpa nenhuma. O sujeito veio para cima de mim sem ser convidado. Apesar de detestar violência, confesso que me senti envaidecida e agradecida por não permitir que qualquer um lançasse as mãos sobre mim.

Mas isso já tem muito tempo. E a rotina diária desgasta qualquer relacionamento —  é natural que a gente passe a não enxergar o outro com os mesmos olhos. Por isso eu acho que precisamos ter uma conversa séria. Isso mesmo, uma DR. Sei que você detesta papo furado. É que não aguento mais ficar em silêncio. Um ponto a seu favor: você deixou de ser tão ciumento e agora adora me exibir por aí em fotos, filmes, cartazes para o mundo inteiro ver. O que me deixa maluca é que quando a coisa acontece aqui entre nós, você me vira as costas e age como se eu não valesse nada. Aliás, me trata como se eu fosse uma lixeira. Ah, não é de hoje. No princípio, eu fazia de conta que não via. Estava tão preocupada em te acolher, em te dar um lar! E te recebi bem. Deixei fazer de mim o que queria. Você queria minha ajuda e eu dei tudo que eu podia. Por você, perdi minhas formas originais. Eu me entreguei de corpo e alma. Foi minha desgraça. Hoje, eu me sinto podre por dentro e por fora.

Fala sério. Sou uma coroa bonita, apesar de muito maltratada. Tenho sido uma companheira fiel todos esses anos e você anda me envenenando lentamente. Não tente negar. Todo mundo sabe. Não mereço esse desprezo, essa falta de consideração. Estou exausta de ouvir suas promessas. É sempre assim: as pessoas percebem que estou adoecendo, você se sente culpado e promete que vai cuidar bem de mim, me proteger, cuidar da minha saúde. Promete gastar milhões de dólares comigo e por um tempo, eu volto a ter esperanças de que tudo vai mudar. Tudo conversa fiada.

Essa história de Jogos Olímpicos foi a gota d’água (suja) para mim. Você fez questão de dizer que eu ia passar por uma repaginação completa, para Pitanguy nenhum botar defeito. Prometeu que eu seria uma estrela e receberia os atletas e os visitantes estrangeiros no auge da forma, como nos velhos tempos. A conversa de sempre, mas eu acreditei (não disse que o amor me cegava?). Anos se passaram e o máximo que aconteceu foi uma maquiagem aqui e ali para esconder a violência que você não parou de me submeter. Tentamos exibir uma fachada de felicidade, mas não enganamos ninguém.

Na semana passada, vieram uns gringos. Eles me examinaram e depois puseram notícias em todo o mundo dizendo que eu era imunda, nojenta, mal-cheirosa. Duvidaram da minha capacidade de receber os estrangeiros em grande estilo – disseram que eles podem até ficar doentes se tiverem muito contato comigo. Só faltava essa. Fiquei morta de vergonha, mas eles no fundo têm razão. Sou apenas uma sombra do que eu já fui, sinto a vida se esvair. Virei motivo de chacota.

Por que você não consegue corresponder a todo o amor que eu te dei?

E já que estamos na DR, o que você fez afinal com aquela dinheirama que era para cuidar de mim. Só falta você ter outra.

Mas de uma coisa eu tenho certeza: igual a mim você não vai encontrar mais ninguém. Sou como Gilda, a mulher inesquecível. Nunca existiu nada tão incrível quanto eu, para sempre a sua Baía de Guanabara.

(Por Mauro Giorgi, com edição de Livia de Almeida)

 

 

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