Quem tem medo?

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Por Pablo Amaral Rebello*

 

Keep calm.

Tem um cheiro estranho no ar…

Desculpe. Onde estávamos mesmo? Sim, sim, sim. Vocês queriam saber por que escrevo terror. Bom, perguntem-me de novo amanhã e lhes darei uma resposta diferente. Hoje escrevo porque tenho contas a pagar e esse mês terei que vender um rim para não ficar no vermelho. O foda é que, com a alta do dólar, devo perder uma grana. A vida não é uma tragédia?

Mas onde estão meus modos? Entrem, por favor. Sintam-se em casa. Não reparem na bagunça. Pequenos poltergeists habitam essas paredes e as coisas tendem a ficar um pouco imprevisíveis de uma hora para outra. Lamento. Os interruptores não estão funcionado. Receio que cortaram a eletricidade pela manhã. É a crise. Não tenham medo desses corredores. Garanto que estão seguros comigo. Tem como não confiar num sorriso como esse?

Conheço bem essas sombras. São como velhas companheiras. Sei dos monstros e dos segredos que elas escondem. Meus olhos enxergam no escuro. Tem quem diga que sou lobisomem. E não precisa me olhar com essa cara. Sei muito bem o que estão pensando: “esse aí não bate bem das ideias.” E talvez eu –

Como? Esse barulho de asas no sótão? Não se preocupem com isso. Garanto que não são morcegos e que não estão sedentos de sangue. E antes que perguntem eles não tem nada a ver com os cadáveres ressecados encontrados naquele velho navio. Um pouco de luz os deixaria mais à vontade? Acredito que tenho uns fósforos guardados no porão. Fica por aqui.

Esperem! Onde estão indo? Querem ir embora? Mas já? Nem chegamos na melhor parte. Não corram, crianças. Vocês podem se machucar. Cuidado com as armadilhas. Eu não entraria nesse quarto se fosse vocês. Não digam que não avisei. Ninguém mais está sentindo esse cheiro estranho?

Gritar não adianta. Os mortos não vão acordar. O dia deles ainda não chegou. Por falar em dia, não ficou um pouco mais escuro? Acho que já é noite lá fora. Alguém sabe se tem lua cheia hoje? Esqueci de consultar o calendário. Não, não subam essa escada. Eu estava brincando quando disse que os morcegos não são perigosos. Nenhum de vocês lembra onde fica a saída?

Pare de olhar os meus dentes. Eles não estão mais afiados. É impressão sua. Esse cheiro é o que está me incomodando. Posso quase dizer o que é. Está na ponta da língua. Parem com isso! Esse desespero não está levando ninguém a lugar nenhum. Não sei nada de maldições, mas de repente bateu uma fome danada. Quem não gosta de um lanchinho noturno?

Ah, vejo que finalmente encontraram a saída. Não olhem pra mim. Não fui eu quem trancou a porta. Todos querem ir embora mesmo? Mas nem tive a chance de responder a pergunta de vocês. Tudo bem. Façamos assim: perguntem-me de novo amanhã e lhes darei uma resposta diferente, ok?

Ou talvez não…

Sabem, acabei de reconhecer o que é esse cheiro no ar, esse aroma adocicado e levemente apimentado. Engraçado como não percebi antes. Sim, não tem como me enganar. Acredito que farejo uma bela e lauta refeição…

ossos

 

Pablo Amaral Rebello escreve de tudo um pouco e de um pouco um tudo. Autor do e-book Deserto dos desejos (disponível para venda aqui: http://goo.gl/oNUw9E) e de contos publicados nas coletâneas Dragões(Ed. Draco) e Contos da Confraria (Ed. Bookmakers). Como jornalista, trabalhou para O Globo, Correio Braziliense e Hoje em Dia. Garante que as manchas escuras em suas roupas são de tinta e não sabe nada a respeito de leitores desaparecidos.

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