Mauro, andiamo!

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Meia-maratona

Já escrevi sobre minha paixão pela corrida e sobre minhas recentes caminhadas pela orla. Comecei a correr ainda adolescente, mas me dediquei mais em São Paulo, pouco depois de uma cirurgia no joelho – “entortei” o menisco em consequência de um choque durante um jogo de futebol. Fui um autodidata. Li bastante sobre o assunto e estabeleci uma meta de seis minutos por quilômetro, num percurso de três a quatro quilômetros. Assim que conseguia ficar uns vinte segundos abaixo da meta, eu aumentava a distância. Um processo puramente empírico. Mas deu resultado: corria mais e melhor, relaxava e fazia uma coisa que eu adorava. Quando comecei a fazer sete quilômetros quatro vezes por semana, comecei a pensar nas primeiras provas de dez quilômetros.

Descobri um mundo inteiramente novo. Aprendi como podia melhorar a cada prova, constatei que nem todos os dias são bons e, principalmente, que existiam e existem milhares e milhares de corredores melhores do que eu. Isso é fundamental: fazer sua própria competição, conquistar sua meta e deixar que os outros conquistem as deles. Não se deve correr contra os outros. Quem faz amizades, corre junto e é parceiro, encontra incentivo nos piores momentos e devolve na mesma moeda.

Depois de três anos correndo cada vez melhor a distância clássica de dez quilômetros e treinando até 12 quilômetros aos sábados, comecei a ler sobre as meias-maratonas. A partir de 1995, elas começaram a fazer parte do calendário esportivo de São Paulo com maior ênfase. A história se repetiu: muita leitura e treinos empíricos. Descobri as necessidades do corpo nos treinos, fazia novos trajetos, subidas e descidas, e preparava a cabeça para correr duas horas e pouco seguidas. Essa era a meta.

A meia maratona de São Paulo já teve diversos trajetos, todos feios. A vantagem é que há muitas curvas e ela passa por diversas ruas, dando a impressão de ser mais curta. Fiz três delas.

Mas o que realmente quero contar aqui é da minha experiência com a Meia Maratona Internacional do Rio. Queria muito participar da prova na minha cidade natal, à beira da praia, um dos percursos mais bonitos do mundo. Dediquei-me bastante aos treinos e sentia-me bem. A preocupação era a cabeça. Havia perdido minha mãe pouco tempo antes e em casa, o único incentivo que eu recebia era ao me perguntarem se eu havia posto a roupa para lavar depois dos treinos. Minhas filhas eram pequenas, gostavam de ver as medalhas e sentiam orgulho de mim como seu tivesse vencido as provas. Para mim e para elas, ganhei todas.

Na véspera da corrida, fui tomado por uma ansiedade inexplicável. Já era a quinta ou sexta vez que eu participava de uma meia maratona, mas senti grande dificuldade de dormir. Chequei roupa, número, boné, tenis, meia e gel de proteína. Vi no trajeto onde teria água.

Lá estava eu, na hora da largada, com frio no estômago. Todo mundo xingava  o Galvão Bueno, encarregado da narração. E toca a sirene!

Gritos e muita adrenalina. Comecei a andar até chegar à linha de largada. A vontade de correr era imensa, mas tinha que me controlar.

Meia-Maratona V

Nos primeiros cinco quilômetros rolaram muita falação, brincadeiras e ritmo lento devido à quantidade de pessoas e à subida da Avenida Niemayer em direção ao Leblon. Ao fechar esse trecho, percebi que estava um pouco atrasado no meu planejamento e resolvi acelerar um pouco. À medida que passavam os outros quilômetros, eu me encaixava na planilha. Aos poucos, comecei a curtir a paisagem e a ouvir os incentivos. Apesar de algumas brincadeiras, os cariocas dão força. Procurei lembrar que, até o décimo quilômetro, não havia nada de novo. Já havia feito essa distância dezenas de vezes. Mantinha a concentração, não pensava no trajeto, nem em quanto faltava. Mas um pensamento não saía da minha cabeça. Será que nem no Rio de Janeiro haveria alguém para me aguardar na chegada?

Ao entrar no Posto 6 e avistar o Pão de Açúcar de lado, me enchi de orgulho da minha cidade. O ritmo estava bom, a cabeça tranquila, as pernas em ordem, e bebendo água em todos os postos, sem perder tempo demais. Passar em frente ao Shopping Rio-Sul pelo asfalto me arrancou um sorriso, e pela primeira vez pensei que faltava o Aterro do Flamengo, ida e volta, sem nenhuma sombra. Preocupante.

A cabeça dava os primeiros sinais de cansaço, assim como as pernas. O calor começava a atrapalhar, lá pela altura do quilômetro 15.

No Aterro, muita torcida para os corredores de rua, com incentivos para quem reduzia o ritmo ou andava. Nesse momento, a cada placa de quilometragem, eu  fazia contagem regressiva e olhava o relógio, calculva, ia conseguir chegar com um tempo entre duas horas e duas horas e oito minutos. A água era jogada no boné, além de ser bebida. Subestimei o calor depois de tantos anos em São Paulo. Havia deixado de ser “carioca”.

Três quilômetros para o final. Será que ia aparecer alguém? Puxa, nunca tinha sido recebido por ninguém e já era, acho eu, minha vigésima corrida.

Ao ver o pórtico do fim da prova, surgiram as famosas forças que, segundo eu havia lido, existiam e apareciam quando o cérebro queria e o corpo pedia.

Mas o mais importante de tudo, mais importante do que concluir abaixo de duas horas e três minutos e chegar ao final inteiro, foi ter ouvido um grito:

— Mauro, andiamo!

Era meu pai.

Ele estava lá, na chegada, para me ver.

Senti uma alegria imensa, um transbordamento indescritível de afeição, tristeza, carinho e nem sei mais o quê.

A corrida aconteceu em 2001. Oito meses depois, perdi meu pai.

Hoje, mesmo depois de uma caminhada curta, volto a ver seu sorriso e a ouvir sua voz.

— Mauro, andiamo!

 

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Sem comentários

  • Sten disse:

    valeu garoto… essa é para guardar do lado direito do peito…andiamo que a fila anda…

  • Essa foi pra fazer chorar? Pois se não foi, me fez ficar emocionada pra caramba! Até esqueci a parte anterior da narração, que como sempre, muito bem feita.

    • maurogiorgi01 disse:

      Confesso que eu chorei quando escrevi, mas na verdade é uma grande homenagem a todos que correm e andam, ao meu pai que me dava força e a minha imensa alegria de saber que daqui a pouco vou voltar a correr também.
      Obrigado pelo elogio.

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